Estatal para Além do Maniqueísmo Superficial

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Diante da matéria que saiu na capa da Folha de ontem, publicada na primeira página do Caderno Mercado, me senti na obrigação de tecer alguns comentários críticos, haja vista o caráter “tendencioso”.

Primeiramente: “Governo acelera a criação de estatais que não geram receita” – ora, o intuito de criar uma estatal (que atue no domínio econômico) pela nossa Constituição pauta-se em duas razões bem claras presentes no art. 173 – imperativos da segurança nacional e relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei – são questões estratégicas relacionadas com o desenvolvimento do País que justificam a criação de uma estatal, não o intuito de “gerar receita”: até porque, para isto, há a arrecadação tributária. A estatal jamais será justificada legitimamente tão-somente por seu caráter lucrativo/especulativo, daí realmente não seria justificável sua criação!

Depois, “Diretorias são ocupadas por indicação política”: como se fosse alguma práxis específica da atualidade… Absurdo! A indicação das diretorias das estatais sempre foi discricionária, neste e noutros tempos.

Convenhamos: as questões sobre estatização ou privatização devem ser pensadas de forma equilibrada: para além do maniqueísmo simplório[1]!

Há opções seguras, legítimas e razoáveis de criação (e manutenção) de estatais que promovem desenvolvimento ao País (não são, evidentemente, todas, nem em todos os contextos). Assim como se pode afirmar que há privatizações desastrosas, pois comprometem setores estratégicos, e privatizações boas, desde que haja estruturas de mercado capazes de absorver de forma adequada o serviço privatizado, com competitividade e vantagens significativas!

Não dá para ostentar um posicionamento FUNDAMENTALISTA acerca do assunto (em qualquer dos “lados”), ainda mais porque o modelo de desenvolvimento adotado em diversos países é precipuamente CÍCLICO, o que já foi observado DESDE A DÉCADA DE 50 por Bilac Pinto – houve um tempo das concessões, que passaram a ser menos vantajosas quando se percebeu que a teoria de revisão dos contratos passou a ser utilizada “para além” das áleas extraordinárias, o que trouxe muitas desvantagens, daí surgiu a solução pela criação das sociedades de economia mista, modelo alemão de o Estado captar investimentos e simultaneamente manter o controle estatal sobre os rumos dos negócios (para o alcance de objetivos metaespeculativos, evidentemente!), ainda, diante dos interesses conflituosos existentes entre o capital público e o privado, houve o declínio (expressão utilizada por Bilac Pinto) deste último modelo e sua substituição pelas empresas públicas, que, ao mesmo tempo em que, no Brasil, tiveram sua eficiência geral distorcida pela conhecida prática de indicações nos chamados “cabides” de empregos do regime militar brasileiro, inequivocamente promoveram MUITO DESENVOLVIMENTO, colaborando também para o crescimento econômico incomum vivenciado na década de 70 (hoje também desempenham importante papel, caso se leve em consideração que das poucas empresas “multinacionais” efetivamente brasileiras, as maiores são ESTATAIS, e não de grupos privados, os quais em um cenário internacional acabam sendo rapidamente ‘absorvidos’ por grupos mais poderosos e agressivos: basta refletir que, em 2010, a Petrobras foi considerada nos rankings a 18ª maior do mundo e o Banco do Brasil, a 52ª!!!), depois, das décadas de 80 e 90 o Brasil sofreu pressões internacionais para que houvesse privatizações em larga escala, modelo que já está em xeque nas próprias economias centrais: ora, se a Europa, ameaçada por crise, e os Estados Unidos, idem, estão repensando o fundamentalismo do modelo não intervencionista que ganhou força após as duas crises do petróleo (sendo que Stiglitz ganhou o premio Nobel, demonstrando os efeitos perniciosos das imposições feitas a países em desenvolvimento que privatizaram rápido e, sobretudo, sem critérios, isto é, com desregulação!), porque o Brasil não pode utilizar as ferramentas existentes para garantir o seu crescimento em função das circunstâncias vivenciadas no cenário econômico?

Isto provoca a seguinte perplexidade: enquanto a imprensa internacional elogia a orientação econômica e o ajuste do Brasil, que é visto como uma economia que está promovendo medidas adequadas de prevenção de crise, para tentar ‘segurar’ o crescimento (sempre ameaçado em face da integração existente), a ‘nacional’ não raro apresenta críticas fundamentalistas já ultrapassadas nas discussões econômicas.

Neste ponto, vale a máxima kantiana: “avalia-se a inteligência de um indivíduo pela quantidade de incertezas que ele é capaz de suportar…”. Necessário, portanto, nestes e noutros assuntos, transcender o fundamentalismo infantil, isto é, o maniqueísmo infundado quanto à utilização dos instrumentos de intervenção estatal previstos na Constituição!


[1] Isso se assemelha muito à acusação pelos setores mais retrógrados que Obama sofreu de intervir no processo de quebra da GM, sendo que se ele se mantivesse inerte ocorreriam prejuízos incalculáveis na indústria automobilística, o que prejudicaria sobremaneira a economia norte-americana – e parcela de seus próprios nacionais chegou a acusá-lo de “estatização”… Uma piada!

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