Recentemente recebi o convite para dar uma aula no curso de especialização em Direito Bancário e suas relações de consumo, coordenado pela Roberta Densa. Na programação da minha aula, que tratava basicamente de regulação, havia o seguinte item: natureza jurídica da SUSEP. Consultando alguns livros, percebi que o assunto não é abordado com tanta frequência, então, fui em busca de algumas discussões na web. Nisto, encontrei no fórum de concursandos muitas dúvidas e poucos esclarecimentos. Portanto, avisei os alunos que iria postar a explicação abaixo.

Primeiramente, a discussão que reúne mais pontos abordados encontra-se disponível em fórum concurseiros:

“A SUSEP adquiriu o status de agência reguladora ou continua sendo apenas autarquia?”

“Olha o que eu achei… Nesse artigo diz que não é agência e sim órgão regulador. Dentre as agências previstas na Constituição, há aquelas previstas como órgão, mas não agência reguladora. É o caso da SUSEP (art. 192, IV) e do Conselho Administrativo de Direito Econômico – CADE (art. 173, § 4°).”

“Mas parece que este artigo está um pouco desatualizado, emendas constitucionais alteraram os 3 dispositivos: Todos os incisos do art. 192 foram revogados e parece que o § 4° do art. 173 foi alterado também: a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”.

Depois identificam que o Decreto-lei 73/66 criou a SUSEP que era inicialmente vinculada ao Ministério da Indústria e Comércio, mas atualmente se vincula ao Ministério da Fazenda.

Um outro internauta expõe que a SUSEP: “primeiro: vinculada ao MF; segundo: não é agência reguladora é um órgão regulador e fiscalizador, como o Bacen e a CVM, atua na área de seguros e capitalização etc; terceiro: é uma autarquia; quarto: agência reguladora, tb é autarquia em regime especial”.

Ele acredita que, pela confusão, não cairá no concurso. Daí, ao final, alguém aponta que já caiu no concurso da própria SUSEP. Enfim, é apenas um resumo, a discussão foi mais extensa e com mais dados, mas estes são basicamente os pontos de divergência e de dúvidas.

NATUREZA JURÍDICA DA SUSEP: por Irene Patrícia Nohara

As agências reguladoras são “autarquias qualificadas com regime especial definido segundo suas leis instituidoras, que regulam e fiscalizam assuntos atinentes às respectivas esferas de atuação”. Para saber mais: NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2011. p. 549 (desta citação, mas o assunto vai da p. 543-561).

A criação de agências reguladoras no Brasil se deu de forma acentuada a partir da década de 90, pois se entendia que elas, dada especialização e regime diferenciado, teriam maior autonomia para controlar e fiscalizar delegações de serviços públicos aos particulares.

Apesar desta inovação da década de 90 (com inspiração nas agências norte-americanas), antes mesmo havia entes que realizavam atividades de regulação, como o Cade, o CMN e a Anvisa. Contudo, as novéis agências reguladoras não objetivavam atuar somente no âmbito do poder de polícia, mas sobretudo nas concessões de serviços públicos, tendo em vista o acirramento das privatizações (em sentido amplo).

Assim, são agências reguladoras: a Aneel, a Anatel, a ANTT, a Anac etc., e seu regime é de autarquia em regime especial, pois:

  1. Seus dirigentes, que compõem órgão de cúpula colegiado (p.ex. Diretoria ou Conselho Diretor), têm mandato fixo, estabelecido por lei para período determinado, não coincidente com o mandato do Chefe do Executivo, não se admitindo exoneração ad nutum por motivações políticas;
  2. Há maior autonomia em relação ao Executivo, uma vez que se identificam limites à interposição de recurso hierárquico impróprio.

No caso da SUSEP – Superintendência da Seguros Privados:

É autarquia, com sede e foro no Rio de Janeiro e “jurisdição” em território nacional, que intervém no setor de controle e fiscalização de mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguros. Foi criada pelo Decreto-lei n° 73, de 21 de novembro de 1966.

Atualmente, seu Regimento Interno foi aprovado pela Resolução SUSEP n° 208, de 13 de janeiro de 2010, que a prevê como “entidade autárquica especial, nos termos do Decreto n° 7.049, de 23 de dezembro de 2009, vinculada ao Ministério da Fazenda, dotada de personalidade jurídica de Direito Público e patrimônio próprio”, tendo por finalidade, na qualidade de executora da política traçada pelo Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP, exercer suas atribuições legais.

São finalidades da SUSEP, entre outras: atuar no sentido de proteger a captação da poupança popular que se efetua por meio das operações de seguro, resseguro, retrocessão, capitalização e previdência complementar aberta; zelar pela defesa dos direitos dos segurados, dos participantes de planos de previdência complementar aberta e dos detentores de títulos de capitalização e previdência complementar aberta; zelar pela defesa dos direitos dos segurados, dos participantes de previdência complementar aberta e dos detentores de títulos de capitalização; promover aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos operacionais de seguro, resseguro, capitalização e previdência complementar aberta, com vistas à maior eficiência do sistema nacional de seguros privados, capitalização e previdência complementar aberta; promover a estabilidade dos mercados de seguro, resseguro, capitalização e previdência complementar aberta, assegurando sua expansão e o fortalecimento das entidades que neles operam.

A SUSEP tem uma função regulatória do ponto de vista da delimitação de marcos de aplicação de seu “poder de polícia”. Contudo, ela não pode ser considerada congênere das novas agências reguladoras, pois, não obstante ser autarquia especial e possuir um Conselho Diretor, constituído pelo Superintendente, que o preside, e por quatro Diretores, todos eles são (inclusive o Superintendente), de acordo com o parágrafo único do art. 5° da Resolução Susep n° 208, de 13 de janeiro de 2011, “exoneráveis ad nutum”.

Trata-se, portanto, de autarquia especial, mas não de agência reguladora em sentido estrito. Note-se que nem toda autarquia que porventura tenha regime especial é automaticamente agência reguladora nos moldes das agências criadas no Brasil a partir da década de 90.

Ademais, é extremamente controvertido o termo “órgão regulador” do ponto de vista do Direito Administrativo. Ele foi introduzido pela flexibilização de monopólios, que houve com as Emendas Constitucionais 8 e 9, as quais respectivamente previram órgãos reguladores para as atividades de telecomunicações e petróleo.

Com base nestas alterações, foram criadas a Anatel e a ANP. Estas são, em verdade, autarquias do tipo agências reguladoras, e não órgãos. Ressalte-se que a Constituição pode determinar que haja um órgão regulador e a Administração Direta criar, por lei, um ente que receba tal incumbência (portanto, não dá para dizer que a Constituição peca na terminologia), mas uma vez que o ente for criado, ele não será, evidentemente, um órgão.

A SUSEP já existia desde a década de 60, tendo sido criada nos moldes das autarquias que exercem poder de polícia, a exemplo do Cade e do CNM. Contudo, a Constituição previu lei complementar, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, para tratar de autorização e funcionamento dos estabelecimentos de seguro, previdência e capitalização, bem como “órgão oficial fiscalizador”.

Este último termo foi de fato revogado, como bem observaram, pela Emenda Constitucional n° 40/2003, mas isso não seria problema, pois a SUSEP continuaria a exercer atribuições que lhes foram destinadas pela criação de sua lei instituidora, sem jamais ser um órgão da Administração Direta, pois como ela foi desde o início criada como autarquia, trata-se de ente da Administração Indireta, dotado de personalidade jurídica própria e que recebe atribuições fiscalizatórias próprias de Poder Público em sua área de atuação.

Em suma, a SUSEP não é agência reguladora em sentido estrito, trata-se de autarquia, vinculada ao Ministério da Fazenda, que recebe incumbências fiscalizatórias/regulatórias na área de mercados de seguro, previdência privada aberta, capitalização e resseguros. Não é órgão, pois tem personalidade jurídica própria.

A opção pela exoneração ad nutum dos integrantes de seu Conselho Diretor e a orientação no sentido de sua submissão às diretrizes políticas do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP derivam claramente da vontade política do governo da Presidente Dilma Rousseff em criar conselhos nacionais fortes que delimitem as políticas públicas, repensando a autonomia das agências reguladoras, como já tivemos oportunidade de postar nas notícias do presente site.

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