A investidura em cargo público ou emprego público depende, via de regra, de aprovação prévia em concurso público, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego e na forma prevista em lei, conforme reza o art. 37, II, da Constituição Federal.

A exigência constitucional do concurso público atende diretamente aos princípios da igualdade e da moralidade administrativa, por isso, a admissão irregular ao serviço público remunerado dá ensejo, por exemplo, à propositura de ação popular para declaração de nulidade do ato impugnado, de acordo com o conteúdo do art. 4º, I, da Lei 4.717/65 (Lei de Ação Popular).

O concurso público permite que haja o provimento originário em determinada carreira, que é feito pela nomeação, sendo inconstitucional a investidura de servidor em cargo de carreira da qual não pertença, sem que haja sua prévia aprovação em concurso público específico dos quadros almejados (Súmula 685/STF)

O prazo de validade do concurso público é de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período (art. 37, III, CF). Tal prorrogação é discricionária da Administração. Durante o prazo improrrogável de validade do concurso (que, entendemos, pode ser sem prorrogação ou com prorrogação, se esta ocorrer) previsto no edital de convocação, o aprovado deve ser chamado com prioridade sobre novos concursados para assumir cargo ou emprego público (art. 37, IV, CF). Significa dizer que os candidatos aprovados em concurso público anterior têm direito de precedência na convocação em relação a candidatos que realizem novo concurso.

Expostos os principais dispositivos constitucionais que tratam do concurso público, surge a dúvida: há direito à nomeação do candidato aprovado dentro do número de vagas previstos no concurso público?

Até início da década de noventa a doutrina e a jurisprudência eram uníssonas no sentido de que a aprovação em concurso público não conferiria ao aprovado, mesmo que dentro das vagas previstas no edital, direito à investidura, mas mera expectativa de direito à nomeação no cargo ou admissão no emprego público, pois a decisão de prover os cargos (ou empregos) seria discricionária – da conveniência e oportunidade – da Administração Pública.

Apenas se admitia à época duas circunstâncias excepcionais, decorrentes do próprio texto constitucional, que foram sendo ampliadas pela revisão que houve nos tribunais da noção de discricionariedade administrativa.

A primeira exceção era a circunstância de o candidato aprovado em concurso público mais bem classificado ser preterido na nomeação, ou seja, de ocorrer a nomeação de outro aprovado com pior classificação, pois aqui havia clara violação à legalidade, à moralidade e à impessoalidade administrativas. Não havia muita discussão, pois se sabe que até Hely Lopes Meirelles, que não era tão favorável às aberturas interpretativas decorrentes do pós-positivismo, dizia que discricionariedade não é arbítrio.

A segunda exceção era aquela na qual o candidato aprovado em concurso anterior constatava que dentro do prazo de validade de seu concurso a Administração havia promovido outro certame e nomeado candidato aprovado no concurso posterior. Esta última hipótese também nunca foi alvo de maiores debates, até porque contraria dispositivo expresso do art. 37, IV, da Constituição.

Na seqüência, houve uma interpretação ampliativa da segunda hipótese mencionada. Assim, entendeu-se também que quando a Administração tem necessidade de pessoal e requisita servidores, em vez de nomear candidatos aprovados em concurso com prazo de validade não expirado, ofende o direito subjetivo dos candidatos à vaga (STF, RMS 458/RJ, Min. Rel. Cezar Peluso, 30.3.2007), que seria prioridade dos aprovados em concurso público. Diante da existência de vaga, considerou-se que ela deve ser preenchida adequadamente, o que confere aos aprovados o direito de exigirem a nomeação.

Contudo, o que causa polêmica na doutrina e nos tribunais, e é motivo de alegria para os concursandos, pois se se consolidar como entendimento significará maior garantia para aqueles que, após tanta dedicação, logram aprovação dentro do número de vagas anunciadas (e deve, simultaneamente, ser visto como preocupação para os setores jurídicos das Administrações), foi a mudança radical de orientação firmada até então, especialmente no STJ, rumo ao posicionamento de que o candidato aprovado, dentro do número de vagas previstas no edital, tem direito subjetivo à nomeação, e não mera expectativa de direito.

A 6ª. Turma do STJ decidiu, em acórdão de relatoria do Ministro Paulo Medina e voto-vista de Nilson Naves, que: “1. Em conformidade com jurisprudência pacífica desta Corte, o candidato aprovado em concurso público, dentro do número de vagas previstas em edital, possui direito líquido e certo à nomeação e à posse. 2. A partir da veiculação, pelo instrumento convocatório, da necessidade de a Administração prover determinado número de vagas, a nomeação e posse, que seriam, a princípio, atos discricionários, de acordo com a necessidade do serviço público, tornam-se vinculados, gerando, em contrapartida, direito subjetivo para o candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital” (RMS 20.718/SP, em 4.12.2007).

A argumentação pauta-se no fato de que se a Administração estabeleceu que precisa de determinadas vagas, ela se vincula ao estabelecido no edital do certame, “razão pela qual a nomeação fugiria ao campo da discricionariedade, passando a ser ato vinculado” (STJ, 5ª. T, RMS 15.034/RS, Rel. Min. Felix Fisher, j. 19.2.2004).

Recentemente, no STF, após serem na maior parte dos casos vencidos os Ministros Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Celso de Mello, a discussão chegou pelo RMS nº 24.660, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, o que repercutirá na formação do entendimento da nova composição da Corte. Discutia-se se havia mesmo a vaga, sendo o voto da relatora no sentido da denegação da segurança, mas a Ministra Cármen Lúcia (acompanhada por Sepúlveda Pertence) abriu divergência e decidiu no sentido da ilegalidade do ato omissivo diante da presença de vagas e da ausência de nomeação, sendo que o Ministro Gilmar Mendes pediu vistas e os autos foram devolvidos para julgamento em fevereiro de 2009.

É de fato uma imoralidade que fere a boa-fé daquele que participa de concurso público constatar que foi aprovado dentro do número de vagas anunciadas no edital, mas que há larga discricionariedade da Administração no sentido de nomeá-lo ou não. Significa dizer que ele estará à mercê da vontade política dos agentes públicos sem poder nem mesmo comemorar sua aprovação antes da efetiva nomeação. Imagine a angústia que não sentem aqueles aprovados dentro das vagas do edital e que se veem diante da premente expiração do prazo de validade do concurso, não podendo impetrar remédio algum diante da mera expectativa de direito.

Por outro lado, entender que a decisão de prover os cargos ou empregos públicos pela Administração é vinculada significa retirar a margem de discricionariedade que antes era reconhecida à Administração para não investir os aprovados em determinadas vagas anunciadas quando evento posterior imprevisível prejudicasse o interesse público pela nomeação. Ora, se o Direito Administrativo normalmente reconhece que a Administração pode não celebrar contrato administrativo com pessoa jurídica que venceu licitação, diante da mera expectativa de direito, excepcionada se houver preterimento e consequente desrespeito na ordem de classificação, muito provavelmente essa revisão de orientação acerca dos concursos públicos terá potencial de se refletir em muitos outros institutos.

Note-se, contudo, que os novos entendimentos representam um avanço em termos de se incluir também nas preocupações e análises jurídicas um aspecto reiteradamente ignorado no Direito Administrativo brasileiro (mas não no Direito Administrativo dos países europeus, em especial, na Alemanha), que é: o planejamento.

Não é correto do ponto de vista ético que a Administração Pública anuncie que precisa preencher vagas de determinados cargos ou empregos ou que tem interesse em certas contratações e, posteriormente, por mudanças de orientações políticas ou contingenciais, não arque com a responsabilidade dos compromissos que assumiu, deixando administrados que, com dedicação e esforço, lograram êxito na disputada concorrência perplexos e de mãos atadas em face de uma resposta seca e distante do Poder Judiciário: “mera expectativa de direito”.

Essa também foi a constatação do Ministro Nilson Naves, proferida no voto-vista do julgamento do mencionado recurso em mandado de segurança no STJ, in verbis: “porque a mim sempre se me afigurou que o concurso representa uma promessa do Estado, mas promessa que o obriga, é claro – o Estado se obriga ao recrutamento de acordo com o número de vagas.”

Seria inadmissível haver cargo vago, previsão orçamentária, candidato aprovado dentro da vaga ofertada e a Administração não mais ter vontade política de preenchê-lo. Por isso, doravante, caso a mencionada orientação seja definitivamente consolidada nas Cortes de Superposição, é necessário que o gestor público se atente para a responsabilidade (jurídica) que decorrerá de um inadequado planejamento de suas atividades.

Apesar de entendermos que a orientação restringe a Administração quando houver circunstâncias excepcionais ocorridas posteriormente que justifiquem o não preenchimento das vagas anunciadas no edital, hipótese na qual lhe restará apenas revogar o concurso antes que haja aprovados dentro das vagas anunciadas e devolver os valores pagos como taxa de inscrição, trata-se de um passo importante dado corajosamente pelo STJ para limitar a irresponsabilidade do ‘político’ em nome do ‘jurídico’, o que pode ser, em variadas situações, pedagógico para que se exija das gestões públicas brasileiras maior consistência na atuação.

Artigo originalmente publicado no Jornal Carta Forense, de 2 de julho de 2009.

CITAÇÃO:

IMPRESSA: NOHARA, Irene Patrícia. Nomeação do aprovado dentro do número de vagas: expectativa de direito ou direito subjetivo? Carta Forense, São Paulo, p. B20-B21, 2 jul. 2009.

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