CONTRATAÇÃO INTEGRADA E SEMI-INTEGRADA

O escopo da atual abordagem é enfocar as oportunidades e os riscos do uso da contratação integrada e da contratação semi-integrada em função da nova disciplina. Apesar de a Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos) ser, assim como a anterior, uma lei maximalista, curiosamente, em alguns pontos ela acabou sendo omissa ou lacônica, como é o caso da indagação sobre as hipóteses de uso da contratação integrada, em que, apesar de a lei ter definido o que é contratação integrada, faltou prever, na toada da legislação anterior compilada, com foco no RDC e também na Lei das Estatais, de forma mais específica para quais circunstâncias ela será utilizada.

A contratação integrada já havia sido prevista no âmbito da Petrobrás (anterior Decreto 2.745/1998) anteriormente à sua positivação na Lei do RDC. No entanto, foi a partir da urgência da Copa que ela começou a ser disseminada de forma mais geral, tendo em vista a aprovação da medida provisória que determinava sua utilização para os jogos mundiais e na infraestrutura dos aeroportos das capitais de Estados distantes até 350 km das cidades sedes dos jogos, sendo precedida por sucessivas edições de medidas provisórias com o escopo de ampliar sua utilização.

Na época, era até visto como ‘antipática’ a postura de criticar a ampliação do uso do regime de contratação integrada, dado que ela era propagada como um sinônimo de grande sucesso em termos de modernização nas contratações de obra.

Contudo, a forma como foi sendo imposta por medidas provisórias, que muitas vezes tomavam carona em medidas que tratavam de outros assuntos, chegou a ser analisada e criticada pelo Supremo Tribunal Federal, sendo que, na atualidade, já existem muitos casos que infelizmente amargam experiências negativas de seu uso também no Brasil, em contratações que acabaram sendo mais caras, muitas das quais foram implicadas em investigações de corrupção e também não foram entregues, como que seria de se supor, no prazo hábil para o fito de alcançar o prazo dos jogos mundiais.

Note-se também que há experiências positivas, sendo importante que se conheça bem do regime para que sua utilização seja feita de forma adequada com as potencialidades do seu uso, evitando-se as distorções possíveis de acontecer, daí porque o enfoque das oportunidades e dos riscos.

Assim, para explicar bem o que é a contratação integrada é importante pressupor que ela procura superar um limite jurídico da anterior lei. Segundo a sistemática da Lei nº 8.666/93, quem projetava não executava a contratação… Havia, portanto, uma separação pronunciada entre a fase de “projetamento” em relação à fase de “execução” de uma obra.

Logo, pela sistemática anterior ao surgimento da contratação integrada, havia necessidade de licitar, como regra geral: (1) a contratação do projeto básico, sendo que ao autor deste projeto vencedor, que iria modelar a licitação da obra, era proibido, nos termos do art. 9º da anterior lei, de participar da execução da obra decorrente deste projeto, e (2) a execução da obra, a qual era viabilizada por uma outra licitação.

A Lei nº 8.666/93 apenas permitia, conforme § 1º do art. 9º, que houvesse a participação do autor do projeto ou da empresa responsável pela elaboração do projeto na licitação da obra ou na sua execução na qualidade de consultor ou de técnico, em funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento, exclusivamente a serviço da Administração interessada.

Ressalte-se, outrossim, que a presença do projeto básico era obrigatória na contratação de qualquer obra ou serviço nos termos do art. 7º, § 2º, I, da Lei nº 8.666/93, segundo o qual: “as obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: I – houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar de processo licitatório”.

Atualmente, o art. 46, § 1º, da Lei nº 14.133/2021 veda a realização de obras e serviços de engenharia sem o projeto executivo, sendo, nos termos do § 2º, do mesmo artigo, que a Administração é dispensada da elaboração do projeto básico nos casos de contratação integrada.

A presença do projeto básico na anterior lei geral de licitações e contrato era exigência necessária à especificação do objeto de modo gerar mais controle em relação ao que pretendia obter o Poder Público, com delimitação de precisão, circunstância e modo de realização.

Assim, havia um modelo fechado, sem muita flexibilidade para outras soluções inovadoras, em que o projeto básico orientava a que houvesse sobretudo um controle focado em obrigações de meio. Se houvesse qualquer erro de projetamento, este seria atribuível à Administração, resguardando-se, portanto, ao particular o direito ao aditamento contratual.

A contratação integrada surgiu para subverter essa separação, gerando mais flexibilidade para inovações diante do fato de que a fase de projetamento e de execução são ambas “delegadas”, em sistemática diferenciada, para a mesma empresa. Do ponto de vista da Administração, quando há esta “delegação” a vantagem seria repassar também à empresa a responsabilidade por quaisquer erros de projetamento vivenciados no momento da execução, pois o art. 9º, IV, da Lei nº 12.462/2011 (Lei do RDC) veda expressamente a celebração de termos aditivos aos contratos firmados em regime de contratação integrada.

Trata-se de regime de contratação, veiculada pelo RDC, inspirado no EPC (Engineering, Procurement and Construction Contract), em que o epecista, como uma espécie de empreiteiro, se incumbe de projetar, executar e entregar a obra integralmente pronta, equipada e testada… Assim, funciona como um sistema conhecido como turn-key (viragem da chave), em que a obra é entregue pronta e testada em condições de funcionamento.

A diferença entre a contratação integrada e um modelo de empreitada integral nestes moldes turn key é apenas que, na contratação integrada, o particular assume também a incumbência de elaboração do projeto base.

A rápida positivação por medida provisória do RDC (Regime Diferenciado de Contratação) vinha no encalço dos jogos mundiais sediados pelo Brasil, pois se alegava urgência devido à proximidade dos eventos esportivos para que houvesse a contratação de obras supostamente mais rápidas, com possibilidade de entrega, por exemplo, de estádios e aeroportos, em plenas condições de funcionamento.

Como a contratação é feita em “um pacote todo”, sendo uma contratação, portanto, por preço global, há um foco no resultado, em modelo associado ao ideário da new public management no sentido da performance based-accountability (prestação de contas com base no resultado). Assim, existe uma flexibilização maior, com um voto de confiança, sendo a ênfase de controle deslocada dos meios e procedimentos para os resultados.

Note-se que nos Estados Unidos, no geral, existem maior liberdade às equipes de licitações para agir sem tantas amarras procedimentais para alcançar inovações nas negociações.

A ideia é que o cronograma físico seja medido por etapas, conforme a finalização. O § 2º do inciso I do art. 9º da Lei do RDC previu que o instrumento convocatório da contratação integrada deve conter anteprojeto de engenharia para a caracterização da obra ou serviço, incluindo: (a) a demonstração e a justificativa do programa de necessidades, a visão global dos investimentos e as definições quanto ao nível de serviço desejado; (b) as condições de solidez, segurança, durabilidade e prazo de entrega; (c) a estética do projeto arquitetônico; e (d) os parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, aos impactos ambientais e à acessibilidade.

Ademais, foi estabelecido que o valor estimado da contratação será calculado com base nos valores praticados pelo mercado, nos valores pagos pela administração pública em serviços e obras similares e na avaliação do custo global da obra, aferida mediante orçamento sintético ou metodologia expedida ou paramétrica.

Assim, a possibilidade de licitação do todo, sem o projeto básico anterior, abre possiblidade de apresentação de soluções inovadoras, supostamente mais baratas e modernas. Ao se voltar para um modelo de contratação mais global, em que a Administração recebe “todo o pacote” em condições de operação, há um foco maior, conforme dito, ao controle de resultados.

Portanto, a ideia do RDC de ‘delegação’ para a inovação é uma oportunidade de a iniciativa privada solucionar melhor a proposta. A desvantagem para o contratado é que ele terá oportunidade de modelar com mais liberdade uma futura construção de obra, mas, ao mesmo tempo, como ele fica incumbido da projetação, qualquer erro ou falha do projeto básico de sua incumbência ficam sob sua responsabilidade, o que pode ser menos seguro do que o sistema anterior, o qual dava mais margem de atribuição de erro à Administração, com a garantia da celebração de termos aditivos (aditamentos) para diversas ocorrências de execução do projeto base.

Aliás, neste ponto a matriz de riscos acaba sendo um instrumento que contribui para que haja a melhor distribuição de riscos contratais, sendo elogiável o fato de que o art. 22, § 3º, determina que quando a contratação se referir a obras e serviços de grande vulto ou forem adotados os regimes de contratação integrada e semi-integrada o edital obrigatoriamente contemplará matriz de alocação de riscos entre contratante e contratado.

Atualmente, a Lei nº 14.133/2021 previu no art. 6º, XXXII, a seguinte definição da contratação integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver os projetos básicos e executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

Note-se que apesar da delegação do projeto básico, a lei determina que haja a elaboração de um anteprojeto.

Do ponto de vista de oportunidade, imaginando um cenário ideal, a contratação integrada é capaz de gerar contratações mais baratas ou mesmo com soluções técnicas superiores, pois as empresas que conhecem mais de perto a estrutura de mercado na qual atuam, podem oferecer propostas com metodologias melhores e vencer a licitação, tendo mais margem para embutir também sua lucratividade. Do ponto de vista da Administração, o fato de a empresa elaborar o projeto significa que os riscos de ocorrências de projetamento acabam sendo repassados ao contratado.

Assim, o licitante pode estudar propostas inovadoras de domínio mais restrito, inserindo sua lucratividade nisto, pois ele terá mais liberdade para modelar a futura contratação, e ainda gerar inovação, que é um dos objetivos novos estabelecidos no art. 11 da Lei nº 14.133/2021, na forma de solucionar as necessidades de contratação da Administração.

Ele assume um pacote de tarefas e também os riscos da modelagem da obra, pois tanto na contratação integrada, como na semi-integrada, conforme se verifica do teor do art. 133 da Lei nº 14.133/2021, é vedada alteração de valores contratuais, exceto para os casos de caso fortuito ou força maior; alterações determinadas pela Administração, desde que nos limites; necessidade de alterações do projeto em contratação semi-integrada, que faz parte da dinâmica deste regime; e evento superveniente alocado na matriz de risco de responsabilidade da Administração.

Aliás, o art. 22, § 3º, da Lei nº 14.133/2021 prevê a obrigatoriedade tanto na contratação integrada, como na semi-integrada, que o edital contemple matriz de alocação de riscos entre contratante e contratado.

Houve um tempo em que o parcelamento da licitação era a tônica central. Ainda existe na nova lei a previsão do princípio do parcelamento, mas, como as estruturas de mercado variam e o Poder Público acaba sendo sensível também a esta variabilidade para o aprimoramento de suas contratações, hoje a tendência é o do “pacotão” para as contratações, no geral. Uma prova disto é que os próprios órgãos de controle, não obstante respeitarem a padronização, também estão atentos a abrir brecha justificada para as vantagens da contratação de facilities em contratos nos quais há a reunião de uma série de serviços: conservação, limpeza, apoio administrativo, manutenções pequenas, o que permite a partir da concentração uma diminuição de custos, por exemplo, em contratações de gestão de condomínios, em que manter cada serviço isoladamente pode sair, a depender da circunstância, mais caro.

Mutatis mutandi, essa ideia de concentração está presente na contratação integrada, que se volta a obras e serviços de engenharia, pois há a concentração de escopos para prestações, com ganhos de economia a preços competitivos.

Contudo, conforme dito, como o foco se desloca da verificação e controle de itens unitários ou de quantidades unitárias para o alcance de resultados por preços globais e etapas de cumprimento de metas (performance based accountability), com a delegação da elaboração do projeto básico para a iniciativa privada, há uma flexibilização do controle dos meios, sendo condicionada à vedação de celebração de aditivos.

Esse sistema apresenta oportunidades e riscos. Oportunidade ao Poder Público de receber uma contratação com metodologias inovadoras, sendo repassados ao particular inúmeros riscos na execução, derivados do fato dele ter se comprometido com o projetamento. Contudo, do ponto de vista dos riscos no tocante ao controle, é importante advertir que a falta de um projeto básico prévio tem o potencial de propiciar futuras dificuldades de dimensionamento dos custos envolvidos na contratação, tornando, portanto, mais obscura a identificação de preços, o que a depender da índole daquela contratação pode gerar mais dificuldades na identificação de sobrepreços.

Ora, do ponto de vista mais profundo, não há soluções mágicas para os problemas. Cada solução apontada tem novos problemas, são “solublemas”, pois resolvem um ponto, mas criam novos gargalos.

Assim, o controle item a item, dentro da dinâmica tradicional do projeto básico sendo ofertado pela Administração, tem a possível desvantagem do aumento da burocracia, talvez de uma maior morosidade, deixava o particular mais amarrado no que é exigido, mas mais acomodado com a possibilidade dos aditivos, o que resguardava de forma mais segura sua lucratividade conforme previsões iniciais.

Já o sistema de delegação do projetamento permite com que haja mais disputas por soluções efetivamente mais econômicas, pois o mercado se mobiliza para procurar inovações, mas, ao mesmo tempo, ao levar o pacote todo com promessas de resultados, os particulares criativos aumentam suas chances de disputa caso apresentem alguma inovação mais vantajosa técnica e economicamente, mas se vinculam ao que prometem, sem chance de jogar para a conta do Poder Público os incidentes diferentes do por eles projetado, sendo, ainda, diminuídas as oportunidades de controle parcelado pois o controle se debruça sobre o todo, geralmente por etapas de cumprimento ou de forma periódica, havendo mais “oportunidades” (risco), portanto, de se ‘maquiar’ sobrepreços, pela flexibilização ofertada pelo regime, em jogos de planilhas (risco de fraudes)…

Então, a orientação do Tribunal de Contas é no sentido de que a Administração seja diligente na formulação do anteprojeto de engenharia e cuidadosa na estimação do cálculo do valor da contratação.

O risco de ausência de cuidado é que, diante da flexibilização de controle itemizado e em face da uma elaboração lacunosa de um anteprojeto a construtora fique mais livre para ‘maquiar’ informações, hipótese em que a contratação integrada tem potencial maior de encobrir sobrepreços.

Assim, somente a pesquisa empírica, de estudo casuístico, será capaz de concluir se, em determinados casos, a contratação integrada efetivamente é mais barata e melhor do que o sistema tradicional, em que a Administração assume para si o projetamento, mas também faz um controle mais criterioso com base no planejado, pois em alguns casos a contratação integrada, apesar de ter sido idealizada para ser mais barata, pode sair mais cara e também estimular a lucratividade com a diminuição da qualidade do objeto.

Não é só para a Administração que o regime pode ter vantagens e desvantagens, pois a vantagem competitiva de apresentar uma nova medodologia por parte do particular é associada também à assunção de inúmeros riscos, conforme visto.

Por esse motivo, a contratação semi-integrada (que foi novidade da Lei das Estatais) apresenta vantagens em termos de controle em relação à integrada, sendo também acrescido o ingrediente da inovação tendo em vista o fato de que nela não há delegação do projeto básico, mas apenas do projeto executivo, mas o ingrediente de inovação reside na possibilidade de a empresa alterar o projeto básico para melhor customizá-lo às necessidades da Administração. Então, ela não abre para a empresa confeccionar todo o projeto básico, mas, ao mesmo tempo, não o fecha o projeto a ponto de ser imutável, o que estimula, então, a que haja propostas de metodologias inovadoras ou de domínio restrito do mercado.

A contratação semi-integrada é definida no inciso XXXIII do artigo 6º da Lei nº 14.133/2021 de maneira muito similar à contratação integrada, com a ressalva, no entanto, de que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver o projeto executivo. Por conseguinte, o projeto executivo acaba sendo elaborado com fundamento em projeto básico já existente quando da licitação, mas que não é imutável, e, neste ponto, se abre a oportunidade de inovação.

Essa dinâmica contratual acaba tendo potencial de oferecer vantagens à Administração, pois ela parte do projeto básico, mas a possibilidade da alteração do projeto básico, por sua vez, abre a chance de o Poder Público receber soluções técnicas inovadoras, com metodologias diferenciadas ou de domínio restrito, que indiquem vantagens, sendo ainda vantajoso para o Estado se ele aceitar adaptar o projeto básico, com base em proposta apresentada pela empresa (que no sistema de licitação tradicional, era mais fechado), pois a obrigação de meio da empresa se transforma praticamente em uma obrigação de resultado, sendo que, nesta proposta apresentada pelo particular, se houver erro, o contratado avoca (chama para si) os riscos do erro decorrente desta alteração de projetamento.

Em síntese, o particular assume, então, a responsabilidade integral pelos riscos associados à alteração do projeto básico, havendo uma delegação de riscos neste tocante. Tendo em vista estas vantagens apontadas, a Lei das Estatais, que foi pioneira em positivar a contratação semi-integrada, determinou ser preferencial a adoção deste regime em relação aos demais, sendo que a adoção dos demais regimes deve realizada de forma justificada, conforme se percebe do teor do art. 42, § 4º, da Lei nº 13.303/2021.

Percebe-se que a vantagem da contratação semi-integrada é a possibilidade de ampliar a disputa na licitação a partir da potencialidade de alteração da solução apresentada no projeto básico, daí, em tese, ganha quem apresentar a ‘melhor solução’, sendo importante a motivação dos atos da comissão em relação à efetividade desta vantajosidade, conforme determina a LINDB, que agora é incorporada no bojo da Nova Lei de Licitações, de acordo com o art. 5º. Assim, a contratação semi-interada é capaz de resultar em inovações superiores ao antevisto no projeto básico, sem que haja delegação do projetamento.

São fatores que são levados em consideração para alteração do projeto básico na contratação semi-integrada, conforme § 5º do art. 46 da Lei nº 14.133/2021:

  • redução de custos;
  • aumento de qualidade;
  • redução do prazo de execução; ou
  • facilidade de manutenção ou operação.

No caso da redução de custos, trata-se de um elemento que deve ser apreciado com cuidado e com expertise, pois ele tem potencial, se mal estruturado, de diminuir a qualidade da contratação. Então, sempre importante observar a qualidade técnica da solução de adaptação do projeto básico sugerida.

Por esse motivo que não se pode de plano celebrar a ampliação do uso do regime, pois muitas Administrações acham o regime vantajoso, mas para o fito de simplesmente de delegar para a iniciativa privada o projetamento. Contudo, se há uma assimetria muito grande de informações, no tocante ao estado da arte das metodologias, também a Administração poderá cair no “conto do vigário” de determinado licitante pressupondo que a sua solução é qualitativamente superior, mas que no fundo representa um risco pela redução da qualidade da obra ou do serviço de engenharia.

Para essas circunstâncias, deve-se elogiar o fato de a lei nova (Lei nº 14.133/2021) ter previsto no art. 8º, § 4º, que em licitação que envolva bens ou serviços especiais cujo objeto não seja rotineiramente contratado pela Administração, poderá ser contratado, por prazo determinado, serviço de empresa ou de profissional especializado para assessorar agentes públicos responsáveis pela condução da licitação, para tentar reequilibrar o estado da arte e evitar que a Administração seja ludibriada por soluções técnicas que não agreguem vantagens técnicas e que, portanto, reduzam a qualidade da obra ou do serviço.

Um ponto que específico em que houve alteração da disciplina da contratação semi-integrada na Lei das Estatais em relação à Nova Lei de Licitações e Contratos foi o prazo. Assim, na Lei das Estatais o prazo de apresentação de proposta da contratação integrada é similar ao da contratação semi-integrada, sendo correspondente a 45 dias úteis, ao passo que a Lei nº 14.133/2021 prevê prazos distintos, sendo de 35 dias úteis para a contratação integrada, em contraponto a 60 dias úteis na semi-integrada.

Também houve o veto em relação ao dispositivo do projeto aprovado que exigia o limite de valor na celebração de contratação integrada e semi-integrada a 10 milhões de reais, que tomava por base o valor de contratação de parceria público-privada (PPP).

Por conseguinte, não há limite valorativo para adoção do regime. Quanto à justificativa do veto, houve a alegação de que a fixação de um patamar mínimo de valor em 10 milhões “contraria o interesse público na medida que restringe a utilização dos regimes de contratação integrada e semi-integrada para obras, serviços e fornecimentos de pequeno e médio valor, em prejuízo à eficiência na Administração, além do potencial aumento de custos com a realização de posteriores aditivos contratuais”.

Apesar do estímulo à disseminação do uso, com a ausência de limitação de valor, o ponto que causou maior perplexidade na nova disciplina foi, conforme dito logo no início, a ausência de previsão das hipóteses de uso da contratação integrada.

Trata-se de omissão que causa estranhamento, pois o art. 9º, caput, da Lei do RDC estabeleceu hipóteses de utilização de contratação integrada para circunstâncias técnica e economicamente justificadas, sendo exigido que o objeto envolva, pelo menos, uma das seguintes condições: inovação tecnológica ou técnica; metodologia diferente de execução; e acesso a tecnologias de domínio restrito do mercado. Também o art. 43, VI, da Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) a utiliza para objeto de natureza predominantemente intelectual ou inovação tecnológica do objeto licitado, execução com diferentes metodologias ou tecnologias de domínio restrito do mercado.

Mesmo com essa lacuna perigosa, para que não haja a disseminação irrestrita da adoção do regime de contratação integrada, é importante haja a sua utilização para as hipóteses recomendadas. Assim, deve haver uma justificativa técnica e econômica de sua utilização, conforme orientação inicial do Tribunal de Contas (que foi acoplada posteriormente, em 2014, à lei do RDC, sendo esta última de 2011), não sendo, portanto, recomendável que a Administração simplesmente se utilize do regime de contratação integrada para “se ver livre” do encargo de elaboração do projeto básico.

Nesta perspectiva, há o Acórdão 2.075/2018 do TCU no sentido de que se a metodologia já é conhecida, isto é, não se trata de indagação de domínio restrito ou desconhecido da Administração, é recomendável que ela licite o projeto básico ou faça uma contratação semi-integrada, em vez de ‘delegar’ para a empresa a elaboração do projeto básico.

Em suma, deve-se frisar que a vantagem da contratação integrada é acoplar inovação e não simplesmente repassar o encargo de projetamento ao particular. Apesar da surpreendente lacuna legal, com a ausência dos pressupostos correntes de utilização da contratação integrada, é importante que o horizonte de inovação, da execução com diferentes metodologias ou com tecnologias de domínio restrito não seja perdido de vista, sob pena da banalização do regime gerar futuramente problemas.

Neste sentido, o planejamento e o projetamento são centrais às boas licitações, pois como se diz no senso comum: pau que nasce torto não se endireita…

Portanto, não pode a Administração partir de um pressuposto de falta de recursos humanos para projetamento ou mesmo de recursos materiais para licitação do projeto básico como simples justificativa para realização de uma contratação integrada, pois, para que haja o correto dimensionamento e controle posterior, ao menos deve haver um anteprojeto de qualidade e também o desenho adequado da necessidade da Administração, pois a possibilidade de descontrole poderá ser futuramente prejudicial à qualidade da obra e também à identificação e combate às fraudes.

De acordo com o § 3º do art. 46 da Lei nº 14.133/2021, na contratação integrada, após a elaboração do projeto básico pelo contratado, o conjunto de desenhos, especificações, memoriais e cronograma físico-financeiro deverá ser submetido à aprovação da Administração.

A Administração terá, portanto, de ter expertise para aprovar o projeto básico que for oferecido pela empresa, sendo importante que não caia na sedução da redução da qualidade do objeto a pretexto de inovação. Assim, ela deve, conforme obrigação legal, ter aptidão para avaliar sua adequação em relação aos parâmetros definidos no edital e conformidade com as normas técnicas, vedadas alterações que reduzam a qualidade ou a vida útil do empreendimento.

Infelizmente com o sucateamento das condições ofertadas pelo Poder Público de permanência em muitos âmbitos dos melhores cérebros na área da engenharia a tendência é aumento da assimetria de informações entre Estado e Mercado. Percebe-se uma tendência neste sentido até pelo fato do trâmite da PEC 32/2020… que não busca valorizar as carreiras e ampliar os concursos, condição para atrair profissionais de alta performance…

Houve um tempo em o Poder Público realizava em profusão e excelentes condições concursos para atrair e valorizar engenheiros. Assim, grandes engenheiros almejavam construir carreira pública, tendo em vista a sua valorização, com bons planos de carreira, perspectivas de aposentadoria e incentivos, seja nas estatais ou no Poder Público, assim, o Estado já contava com uma mão de obra apta a bem avaliar de forma acurada os critérios técnicos dos projetos…

Atualmente, percebe-se que a Administração Pública federal ainda tem condições de atrair e manter excelentes profissionais, mas os Estados e sobretudo as Municipalidades são desafiadas pelas metas de corte, que redundam em perdas materiais e humanas…

Contudo, reitere-se que a contratação integrada não pode ser vista como pretexto para justificar falta de recursos necessários à estruturação do projeto, pois o anteprojeto deve ser adequado, sob pena de poder gerar obras sem a inovação em termos de qualidade. Ademais, conforme dito, se a Administração sabe qual a solução de projetamento, não é o caso da utilização da contratação integrada, pois ela este regime é recomendável para fomentar soluções técnicas inovadoras quando há assimetria de informações entre o Poder Público e o estado da arte de determinada prestação pela iniciativa privada.

Outra novidade prevista na nova lei foi a possibilidade de delegação dos processos de desapropriação feitos em nome da Administração. De acordo com o art. 46, § 4º, da Lei nº 14.133/2021, nos regimes de contratação integrada e semi-integrada, o edital e o contrato, sempre que for o caso, deverão prever as providências necessárias para a efetivação de desapropriação autorizada pelo poder público.

Enfim, há a necessidade de se calibrar o uso da contratação integrada para não resultar em sobrepreços na delegação feita à empresa, hipótese em que ela pode ficar mais cara e não oferecer solução melhor do ponto de vista técnico e econômico. Conforme exposto, a contratação semi-integrada, por sua vez, apresenta a vantagem de não delegar a sistemática de licitação, pois parte de projeto básico já existente, mas também não é inflexível em relação às soluções técnicas inovadoras, as quais poderão justificar uma mudança no projeto básico, hipótese em que a empresa assume os riscos da proposta ofertada.

Em suma, como a lei é recente, fica aberto aos órgãos de controle determinar se a jurisprudência anterior será também replicada na interpretação da nova lei ou se, diante da peculiar disciplina, haverá a delimitação de nova jurisprudência sobre o assunto. Entendo importante neste caso aproveitar o que existe anteriormente em termos jurisprudenciais (dos Tribunais de Contas) para que não haja abusos na utilização dos regimes e que para que eles sejam utilizados em hipóteses ajustadas para seus intrínsecos escopos de inovação em obras e serviços de engenharia.

Artigo escrito por Irene Patrícia Diom Nohara


Dispositivos da nova lei que disciplinam o tema das contratações integradas e semi-integrada:

Art. 6º Lei de Licitações e Contratos – Lei nº 14.133/2021

XXXII – contratação integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por

– elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo,

executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

XXXIII – contratação semi-integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por

– elaborar e desenvolver o projeto executivo,

executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

Art. 22. O edital poderá contemplar matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado, hipótese em que o cálculo do valor estimado da contratação poderá considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e com os riscos atribuídos ao contratado, de acordo com metodologia predefinida pelo ente federativo.

§ 1º A matriz de que trata o caput deste artigo deverá promover a alocação eficiente dos riscos de cada contrato e estabelecer a responsabilidade que caiba a cada parte contratante, bem como os mecanismos que afastem a ocorrência do sinistro e mitiguem os seus efeitos, caso este ocorra durante a execução contratual.

§ 2º O contrato deverá refletir a alocação realizada pela matriz de riscos, especialmente quanto:

I – às hipóteses de alteração para o restabelecimento da equação econômico-financeira do contrato nos casos em que o sinistro seja considerado na matriz de riscos como causa de desequilíbrio não suportada pela parte que pretenda o restabelecimento;

II – à possibilidade de resolução quando o sinistro majorar excessivamente ou impedir a continuidade da execução contratual;

III – à contratação de seguros obrigatórios previamente definidos no contrato, integrado o custo de contratação ao preço ofertado.

§ 3º Quando a contratação se referir a obras e serviços de grande vulto ou forem adotados os regimes de contratação integrada e semi-integrada, o edital obrigatoriamente contemplará matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado.

§ 4º Nas contratações integradas ou semi-integradas, os riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação associados à escolha da solução de projeto básico pelo contratado deverão ser alocados como de sua responsabilidade na matriz de riscos.

Art. 23

§ 5º No processo licitatório para contratação de obras e serviços de engenharia sob os regimes de contratação integrada ou semi-integrada, o valor estimado da contratação será calculado nos termos do § 2º deste artigo, acrescido ou não de parcela referente à remuneração do risco, e, sempre que necessário e o anteprojeto o permitir, a estimativa de preço será baseada em orçamento sintético, balizado em sistema de custo definido no inciso I do § 2º deste artigo, devendo a utilização de metodologia expedita ou paramétrica e de avaliação aproximada baseada em outras contratações similares ser reservada às frações do empreendimento não suficientemente detalhadas no anteprojeto.

Obs.

§ 2º No processo licitatório para contratação de obras e serviços de engenharia, conforme regulamento, o valor estimado, acrescido do percentual de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) de referência e dos Encargos Sociais (ES) cabíveis, será definido por meio da utilização de parâmetros na seguinte ordem:

I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente do Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), para serviços e obras de infraestrutura de transportes, ou do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices de Construção Civil (Sinapi), para as demais obras e serviços de engenharia;

II – utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e a hora de acesso;

III – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;

IV – pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.

Art. 46.Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, são admitidos os seguintes regimes:

I – empreitada por preço unitário;

II – empreitada por preço global;

III – empreitada integral;

IV – contratação por tarefa;

V – contratação integrada;

VI – contratação semi-integrada;

VII – fornecimento e prestação de serviço associado.

§ 1º É vedada a realização de obras e serviços de engenharia sem projeto executivo, ressalvada a hipótese prevista no § 3º do art. 18 desta Lei.

§ 2º A Administração é dispensada da elaboração de projeto básico nos casos de contratação integrada, hipótese em que deverá ser elaborado anteprojeto de acordo com metodologia definida em ato do órgão competente, observados os requisitos estabelecidos no inciso XXIV do art. 6º desta Lei.

§ 3º Na contratação integrada, após a elaboração do projeto básico pelo contratado, o conjunto de desenhos, especificações, memoriais e cronograma físico-financeiro deverá ser submetido à aprovação da Administração, que avaliará sua adequação em relação aos parâmetros definidos no edital e conformidade com as normas técnicas, vedadas alterações que reduzam a qualidade ou a vida útil do empreendimento e mantida a responsabilidade integral do contratado pelos riscos associados ao projeto básico.

§ 4º Nos regimes de contratação integrada e semi-integrada, o edital e o contrato, sempre que for o caso, deverão prever as providências necessárias para a efetivação de desapropriação autorizada pelo poder público, bem como:

I – o responsável por cada fase do procedimento expropriatório;

II – a responsabilidade pelo pagamento das indenizações devidas;

III – a estimativa do valor a ser pago a título de indenização pelos bens expropriados, inclusive de custos correlatos;

IV – a distribuição objetiva de riscos entre as partes, incluído o risco pela diferença entre o custo da desapropriação e a estimativa de valor e pelos eventuais danos e prejuízos ocasionados por atraso na disponibilização dos bens expropriados;

V – em nome de quem deverá ser promovido o registro de imissão provisória na posse e o registro de propriedade dos bens a serem desapropriados.

§ 5º Na contratação semi-integrada, mediante prévia autorização da Administração, o projeto básico poderá ser alterado, desde que demonstrada a superioridade das inovações propostas pelo contratado em termos de redução de custos, de aumento da qualidade, de redução do prazo de execução ou de facilidade de manutenção ou operação, assumindo o contratado a responsabilidade integral pelos riscos associados à alteração do projeto básico.

§ 6º A execução de cada etapa será obrigatoriamente precedida da conclusão e da aprovação, pela autoridade competente, dos trabalhos relativos às etapas anteriores.

§ 7º (VETADO).

§ 8º (VETADO).

§ 9º Os regimes de execução a que se referem os incisos II, III, IV, V e VI do caput deste artigo serão licitados por preço global e adotarão sistemática de medição e pagamento associada à execução de etapas do cronograma físico-financeiro vinculadas ao cumprimento de metas de resultado, vedada a adoção de sistemática de remuneração orientada por preços unitários ou referenciada pela execução de quantidades de itens unitários.

Art. 56

§ 5º Nas licitações de obras ou serviços de engenharia, após o julgamento, o licitante vencedor deverá reelaborar e apresentar à Administração, por meio eletrônico, as planilhas com indicação dos quantitativos e dos custos unitários, bem como com detalhamento das Bonificações e Despesas Indiretas (BDI) e dos Encargos Sociais (ES), com os respectivos valores adequados ao valor final da proposta vencedora, admitida a utilização dos preços unitários, no caso de empreitada por preço global, empreitada integral, contratação semi-integrada e contratação integrada, exclusivamente para eventuais adequações indispensáveis no cronograma físico-financeiro e para balizar excepcional aditamento posterior do contrato.

Art. 133.Nas hipóteses em que for adotada a contratação integrada ou semi-integrada, é vedada a alteração dos valores contratuais, exceto nos seguintes casos:

I – para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior;

II – por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da Administração, desde que não decorrente de erros ou omissões por parte do contratado, observados os limites estabelecidos no art. 125 desta Lei;

III – por necessidade de alteração do projeto nas contratações semi-integradas, nos termos do § 5º do art. 46 desta Lei;

IV – por ocorrência de evento superveniente alocado na matriz de riscos como de responsabilidade da Administração.

Tinha sido vetado, mas o veto foi derrubado, que:

Art. 115

§ 4º Nas contratações de obras e serviços de engenharia, sempre que a responsabilidade pelo licenciamento ambiental for da Administração, a manifestação prévia ou licença prévia, quando cabíveis, deverão ser obtidas antes da divulgação do edital. A alegação do veto derrubado era no sentido de que a hipótese restringiria o uso da contratação integrada: pois o projeto seria condição para obter a licença prévia, mas ele estaria sendo elaborado pela futura contratada. 

1. Contexto de edição da lei e a determinação constitucional de um estatuto diferenciado

Depois de aproximadamente dezoito anos da Reforma Administrativa da década de noventa, que, por meio da Emenda Constitucional 19/98, alterou o § 1º do art. 173 para estabelecer a necessidade de lei que disciplinasse o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização e bens ou prestação de serviços, foi, finalmente, em 2016, editada a Lei das Estatais.

A Reforma inseriu, na década de noventa, essa transformação à Constituição porque não seria adequado que o regime jurídico dos entes da Administração Indireta que exploram atividade econômica fosse idêntico aos entes da Administração Direta ou de autarquias, que possuem um regime jurídico totalmente público, daí a necessidade da previsão de um estatuto que regulamentasse um regime jurídico diferenciado, inclusive no tocante às licitações, até porque as estatais são pessoas jurídicas de direito privado que sofrem derrogações de direito público.

Apesar da demora no surgimento do diploma legal, não se pode deixar de considerar que ele tramitou, paradoxalmente, nos últimos meses às pressas. Isto se deu, pois o Presidente Interino, Michel Temer, enfatizou que aguardaria a lei para a realização de nomeações nas estatais, que ficaram, portanto, suspensas, dado que o novo diploma prevê requisitos mais restritivos à nomeação de dirigentes de estatais e o discurso era pela necessidade de observância de indicações mais técnicas.

A lei foi aprovada, sancionada e publicada como Lei n. 13.303, em 30 de junho de 2016, com o objetivo de regulamentar o estatuto jurídico das empresas públicas, sociedades de economia mista e subsidiárias. No entanto, uma perplexidade é que não obstante a vigência da lei a partir de 1◦ de julho de 2016, o seu art. 91 amplia o prazo de adaptação à lei para empresas públicas e sociedades de economia mista que tenham sido constituídas anteriormente à vigência da lei para 24 meses, prazo este também necessário à adaptação às novas leis de licitações e contratos das estatais.

O presente artigo objetiva identificar as principais alterações veiculadas pela Lei das Estatais e, ao final, apontar quais são os pontos fortes e fracos trazidos pelo novo diploma legislativo.

2. Estatais como gênero de empresa pública e sociedade de economia mista

Estatal é gênero do qual decorrem basicamente duas espécies: empresa pública e sociedade de economia mista. Um dos primeiros pontos problemáticos que salta aos olhos, todavia, é o fato de que o estatuto, à revelia do desejo da Emenda Constitucional 19/98, praticamente não diferenciou o tratamento das estatais que desenvolvem atividade econômica em relação às estatais prestadoras de serviços públicos.

Os conceitos de estatais remontam ao Decreto-Lei nº 200/67, que tratou dos entes da Administração Indireta, sendo que a nova lei manteve as características já enfatizadas pelo diploma da época do regime militar, quais sejam: enquanto a empresa pública tem patrimônio cujo capital social é integralmente detido pelos entes federativos, a sociedade de economia mista tem capital parcialmente aberto, daí porque é constituída em forma de sociedade anônima, sendo as ações com direito a voto em sua maioria dos entes federativos ou das entidades da Administração Indireta.

Logo, são duas as conhecidas distinções: (1) quanto ao capital, que na empresa pública é totalmente público, ao passo que na sociedade de economia mista é parcialmente privado; e (2) quanto à forma societária, pois a sociedade de economia mista só admite a constituição na forma de sociedade anônima, sendo submetida, portanto, à Lei das SAs, enquanto a empresa pública admite outras formas de constituição.

São chamadas genericamente de estatais porque seu controle acionário pertence ao Estado, mas assevere-se que ambas possuem natureza jurídica de direito privado. Conforme determina a Constituição, no art. 173, quando elas desempenham atividade econômica, isso se dá em virtude de: (a) imperativos da segurança nacional; ou (b) relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

A edição da nova lei nesse período (politicamente conturbado, afirme-se) foi motivada também por fatores conjunturais. Partiu da apuração de fraudes, num sistema de carteis, em licitações e contratos que trouxe à tona a corrupção praticada por parte de altos executivos da Petrobrás em negócios superfaturados celebrados com grandes empreiteiras, conforme desenrolar da operação Lava Jato, que acarretou perda de bilhões da sociedade de economia mista em função da alta gestão desviada, em recursos que depois eram supostamente empregados em compras de votos e financiamento de campanhas de agentes políticos.

Assim, para além de regulamentar os cinco pontos especificados pela Constituição, que são: (1) função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (2) sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (3) licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (4) constituição e funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; e (5) os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilização dos administradores, uma das preocupações centrais da novel legislação foi a previsão de um sistema de governança corporativa que intensificasse a transparência e o controle das estatais, para minimizar as possíveis falhas de integridade na conduta da alta gestão dessas empresas.

3. Parâmetros de governança corporativa

A governança corporativa foi um tema cuja discussão se intensificou nos Estados Unidos na década de oitenta, com reflexos na década de noventa. Isso se deu inicialmente pelo ativismo societário de fundos de pensão, com destaque para o Calters (na crítica à oposição dos diretores à aquisição da Texaco pela Chevron), insatisfeitos com a concentração decisória dos diretores-presidentes de companhias, que tinham acentuada influência nos Conselhos de Administração.

O ativismo societário veio a reivindicar mais poder aos acionistas minoritários, mas não impediu a ocorrência de escândalos como a falência do banco Barings, em 1995, e, mais recentemente, as fraudes ocorridas na Euron, que, nos Estados Unidos, em 2002, estimularam a criação da Lei Sarbanes-Oxley – SOX, diploma responsável pela intensificação de bons padrões de governança corporativa no gerenciamento de risco das sociedades.

A intensificação da governança nos Estados Unidos influenciou a realidade brasileira. São parâmetros empregados na Governança Corporativa, segundo o Código Brasileiro das Melhores Práticas: a prestação de contas (accountability), a transparência ou disclosure, para que os stakeholders saibam a situação efetiva da empresa e tenham meios de mensurar os riscos dos investimentos que serão feitos, a equidade na composição de eventuais interesses divergentes entre acionistas, membros do Conselho de Administração e dirigentes das empresas e a compliance, que se aprofunda na edição e prática dos códigos de ética e de integridade organizacional.

Para ouvir sobre a transformação influenciada por essa problemática, confira aqui o vídeo de alterações na fiscalização das estatais.

O Estatuto das Estatais e de suas subsidiárias procurou ser estabelecido, de acordo com o art. 6◦ da lei, em observância às regras de governança corporativa, de transparência e de estruturas, às práticas de gestão de riscos e de controle interno, e à composição de administração e, havendo acionistas, mecanismos para sua proteção constantes da lei.

O estatuto social deve prever que a área de compliance se reporte diretamente ao Conselho de Administração em situações em que se suspeite do envolvimento do diretor-presidente em irregularidades ou quando este se furtar a tomar medidas em situações a ele relatadas.

A lei também reconhece a possibilidade de os executivos editarem atos (normativos) que estabeleçam regras de governança destinadas às suas respectivas estatais. Ressalte-se que a não edição em 180 dias a partir da publicação da lei submete as respectivas empresas às regras de governança prevista na Lei das Estatais.

Conforme expõe Bilac Pinto, em texto clássico acerca do surgimento das empresas públicas após as sociedades de economia mista (O declínio das sociedades de economia mista e o advento das modernas empresas públicas. RDA – Seleção Histórica, 191/30), não obstante as sociedades de economia mista terem sido catalisadoras de investimentos para realização dos objetivos públicos, por meio da abertura do capital, dado que, na época em que foram criadas em profusão no mundo, o modelo de concessão já não era tão vantajoso como no início (por conta das cláusulas de garantia de juros e da ampliação da teoria da imprevisão, que acabaram forçando o Estado a participar das perdas da exploração do serviço concedido), as sociedades de economia mista não deixam, todavia, de possuir, de forma inerente, um conflito de interesses.

Tal conflito inerente se dá entre o Estado e os particulares investidores, dado que os acionistas (particulares) desejam que as ações sejam valorizadas e a empresa dê, consequentemente, o máximo de lucro possível, já, do ponto de vista do controlador, que é o Estado (em sentido lato), a finalidade da estatal é também a realização de interesses coletivos ou de segurança nacional, que se articulam com políticas estratégicas ao desenvolvimento nacional, o que não é meta necessariamente tão lucrativa.

O acionista controlador (ente do Estado), ao desenvolver as políticas públicas, objetiva, por outro lado, que haja o fornecimento de produto ou de serviço a preços mais acessíveis, tendo em vista o desejo de universalização da prestação em função do desenvolvimento da capacidade produtiva nacional e dos demais objetivos específicos que legitimam a criação da estatal.

Note-se que a sociedade de economia mista pode solucionar, de acordo com o art. 12, parágrafo único da lei, mediante arbitragem, as divergências entre acionistas e a sociedade, ou entre acionistas controladores e acionistas minoritários, nos termos previstos em seu estatuto social.

Também estabelece o art. 15 da lei que o acionista controlador da estatal responderá por abuso de poder nos termos da lei das SAs, sendo que a ação de reparação pode ser proposta pela sociedade, pelo terceiro prejudicado ou pelos demais sócios, independentemente de autorização da assembleia-geral dos acionistas. Tal ação prescreverá em seis anos, contados da prática do ato abusivo.

A função social da estatal é noção desenvolvida pelo art. 27 da lei, sendo associada ao objetivo expresso no seu instrumento legal de criação, sendo que ela deve ser orientada para o alcance do bem-estar econômico e para a alocação socialmente eficiente dos recursos geridos pela empresa pública e pela sociedade de economias mista, conforme: (1) a ampliação economicamente sustentada do acesso de consumidores aos produtos e serviços oferecidos; e (2) o desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para produção e oferta de produtos e serviços, sempre de maneira economicamente justificada.

4. Indicação de dirigentes e membros do Conselho de Administração

A nova lei também teve preocupação em tornar mais rigorosa a indicação de dirigentes das estatais. Apesar de as estatais desempenharem funções estratégicas para o País, desde a criação, elas foram frequentemente utilizadas no Brasil como “cabides de empregos”, isto é, para fazer indicações políticas, num sistema de trocas de favores/interesses, ou, conforme se revelou mais recentemente, como apanágio do chamado aparelhamento político, isto é, para o beneficiamento de esquemas entre empresas e políticos, numa articulação que compreende propina em contratos superfaturados e beneficiamento ilícito de recursos que depois foram supostamente utilizados para apoio a candidaturas e também à compra de votos.

Diante de todos os escândalos amplamente noticiados na imprensa e da ausência de divulgação de dados que orientariam melhor os investidores sobre a situação efetiva que vivenciava a Petrobrás, que depois vivenciou uma brutal queda no valor das ações, houve uma reação e a nova lei criou para as estatais, no geral, regras mais rigorosas para a indicação de membros do Conselho de Administração, da diretoria, da presidência e da vice-presidência, para tentar evitar o dito aparelhamento político da Administração Indireta.

Assim, de acordo com a lei, só podem ser indicados para tais cargos cidadãos de reputação ilibada e notório conhecimento, que tenham, alternativamente: (a) dez anos de experiência profissional no setor público ou privado da área de atuação da estatal ou em área conexa; (b) quatro anos de três possibilidades: (b1) em direção ou chefia de empresa de porte ou objeto social semelhante ao da estatal; (b2) em cargo em comissão ou função de confiança equivalente a DAS-4 ou superior no setor público; ou (b3) de docente ou de pesquisador em áreas de atuação da estatal; ou, ainda (c) quatro anos de profissional liberal em atividade direta ou indiretamente vinculada à área de atuação da estatal; e, cumulativamente: formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado e não se enquadrar nas hipóteses de inelegibilidade.

Não podem ser indicados para o Conselho de Administração e para a Diretoria: (1) representante do órgão regular ao qual a estatal está sujeita, de Ministro de Estado, de Secretário de Estado, de Secretário Municipal, de titular de cargo, sem vínculo permanente com o serviço público, de natureza especial ou de direção e assessoramento superior na administração pública, de dirigente estatutário de partido político e de titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação, ainda que licenciados do cargo – ou de parentes consanguíneos ou afins em até o terceiro grau deles; (2) de pessoa que atuou, nos últimos 36 meses, como participante da estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral; (3) de pessoa que exerça cargo em organização sindical; (4) de pessoa que tenha firmado contrato ou parceria, com fornecedor ou comprador, demandante ou ofertante, de bens ou serviços de qualquer natureza, com a pessoa político-administrativa controladora da estatal ou com a própria empresa ou sociedade.

É possível a dispensa dos requisitos previstos no inciso I (número 1), se forem atendidas as seguintes exigências: (1) o empregado tenha ingressado na estatal por meio de concurso público; (2) o empregado tenha mais de dez anos de trabalho efetivo na estatal; e (3) o empregado tenha ocupado cargo na gestão superior da estatal, comprovando sua capacidade de assumir as responsabilidades para os cargos a que forem indicados.

Observa-se, pois, que ainda que se tenha tentado fechar as indicações, mesmo diante dos novos parâmetros, nada obsta a nomeação de técnico alinhavado a interesses políticos escusos e, de outro lado, também pode ser criticável a proibição de indicação de pessoa que exerça cargo em organização sindical, pois parece haver uma presunção de que tal pessoa age de forma distorcida, sendo que ela representa os interesses dos funcionários da empresa, que são impactados também pelas decisões estratégicas dos órgãos de cúpula.

Além do objetivo de desenvolvimento, do ponto de vista do relevante interesse coletivo e da defesa de segurança nacional, as estatais devem gerar utilidades não apenas aos seus acionistas, mas também devem considerar a qualidade de vida de funcionários que dedicam, em grande parte, parcela de sua vida útil em atividades desenvolvidas em prol da companhia, logo, a representação dos interesses também dos empregados públicos, muitos dos quais não têm qualquer envolvimento nos desvios que foram noticiados nos mais recentes escândalos envolvendo cúpulas de estatais, mas que sofreram os reflexos dos problemas vivenciados, seria uma preocupação sustentável do ponto de vista social, o que não justificaria, a nosso ver, a exclusão de pessoa pelo fato dela exercer cargo em organização sindical.

Desenvolvimento sustentável envolve uma gama de preocupações, não apenas econômicas e ambientais, mas também de qualidade de vida das pessoas, sejam elas as que usufruem das atividades das estatais ou mesmo os empregados públicos concursados que teriam direito de voz nas altas cúpulas também se tivessem pessoas envolvidas em atividades de representação sindical. Parece haver no Brasil um desprestígio generalizado às organizações sindicais, sendo que nos países desenvolvidos, em geral, a liberdade sindical é vista como um direito fundamental, derivado de conquistas de direitos sociais, sendo reputada, ainda, um componente relevante de sociedades pluralistas e, portanto, democráticas.

Também prevê a lei que o Conselho de Administração terá o número mínimo de sete e máximo de onze membros, sendo 25% dos membros independentes, isto é:

  • que não tenham vínculo com a estatal;
  • nem sejam cônjuges ou parentes de detentores de cargos de chefia no Executivo, como o Presidente da República, Ministros ou Secretários de Estados e Municípios ou de administrador de estatal;
  • que não tenham mantido nos últimos três anos vínculo de qualquer natureza com a estatal, que possa vir a comprometer sua independência;
  • que não tenham sido nos últimos três anos empregados ou diretores de estatal, exceto se o vínculo for exclusivamente com instituições públicas de ensino ou pesquisa;
  • que não tenham sido fornecedores ou compradores, diretos ou indiretos, de serviços ou produtos da estatal; e
  • que não sejam funcionários ou administradores de sociedade ou entidade que esteja oferecendo ou demandando serviços ou produtos à estatal ou receberem outra remuneração da estatal, além daquela relativa ao cargo de conselheiro, à exceção de proventos em dinheiro oriundos de participação no capital.

A lei também determina que o diretor da estatal assuma compromisso com metas e resultados específicos a serem alcançados, que deverão ser aprovados pelo Conselho de Administração, a quem incumbe fiscalizar o seu cumprimento.

Assim, a diretoria deve apresentar plano de negócios para o exercício seguinte; estratégia de longo prazo atualizada com análise de riscos e oportunidades para, no mínimo, os próximos cinco anos, sendo que o Conselho de Administração deve promover anualmente a análise de atendimento das metas e resultados na execução do plano de negócios e na estratégia de longo prazo, devendo publicar suas conclusões e informá-las ao Legislativo e ao respectivo Tribunal de Contas, quando houver. Podem ser, todavia, excluídas da obrigação de publicação informações de natureza estratégica cuja divulgação possa ser comprovadamente prejudicial ao interesse da empresa pública ou da sociedade de economia mista.

5. Regras de Fiscalização e Transparência

Foram criadas regras de fiscalização e de governança na participação da estatal em sociedade empresarial, sendo o controle proporcional à relevância, à materialidade e aos riscos do negócio do qual são partícipes.

Quanto à fiscalização, aplicam-se às estatais as disposições da lei das SAs, bem como as normas da CVM sobre escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, inclusive a obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado nesse órgão.

A lei pormenorizou uma série de relatórios de execução de orçamento, riscos, execução de projetos, sendo exigida a publicidade dos documentos. Como exigências mínimas de transparência, houve a previsão, pelo art. 8◦, entre outros: da elaboração de carta anual, subscrita pelos membros do conselho de administração, com recursos e impactos econômicos dos compromissos de cumprimento das políticas públicas; da adequação do estatuto social à autorização legislativa de criação; e, como novidade, da exigência também de ampla divulgação, ao público em geral, de uma carga anual de governança corporativa.

A carta anual de governança corporativa deve consolidar em documento escrito, numa linguagem clara e direta, as informações relevantes, de forma tempestiva, sobre as atividades desenvolvidas (dados operacionais), estrutura de controle, fatores de risco, dados econômico-financeiros, comentários dos administradores sobre o desempenho, políticas e práticas de governança corporativa e descrição da composição e da remuneração da administração.

Também se prevê, no art. 9◦ da lei, regras de estruturas e prática de gestão de riscos e controle interno que abranjam: a ação dos administradores e empregados, por meio da implementação cotidiana de práticas de controle interno; área responsável pela verificação de cumprimento de obrigações e de gestão de riscos; e auditoria interna e comitê de auditoria estatutário.

O Código de Conduta e Integridade, por sua vez, será elaborado e divulgado, devendo dispor sobre: (1) princípios, valores e missão da estatal, bem como orientações sobre a prevenção de conflito de interesses e vedação de atos de corrupção e fraude; (2) instâncias internas responsáveis por sua atualização e aplicação; (3) canal de denúncias que possibilite o recebimento de denúncias internas e externas relativas ao descumprimento desse código, bem como das demais normas internas éticas e obrigacionais; (4) mecanismos de proteção que impeçam qualquer espécie de retaliação a pessoa que utilize o canal de denúncias; (5) sanções aplicáveis em caso de violação às regras do código; e (6) previsão de treinamento periódico, no mínimo anual, e sobre a política de gestão de riscos, a administradores.

Além da auditoria interna ser vinculada ao Conselho de Administração, haverá um Comitê de Auditoria Estatutário, ao qual cumpre, entre outras atribuições relevantes, avaliar a razoabilidade dos parâmetros em que se fundamentam os cálculos atuariais, bem como o resultado atuarial dos planos de benefícios mantidos pelo fundo de pensão, quando a empresa pública e a sociedade de economia mista for patrocinadora de entidade fechada de previdência complementar.

O Comitê de Auditoria Estatutário, que será integrado por, no mínimo, três e no máximo cinco membros, em sua maioria independentes. Deverá possuir autonomia operacional e dotação orçamentária, anual ou por projeto, dentro dos limites aprovados pelo Conselho de Administração, para conduzir ou determinar a realização de consultas, avaliações e investigações dentro do escopo de suas atividades, inclusive com a contratação e utilização de especialistas externos independentes.

Ele se reunirá no mínimo bimestralmente, de modo que as informações contábeis sejam sempre apreciadas antes de sua divulgação. As atas das reuniões do Comitê de Auditoria Estatutário devem ser divulgadas, exceto se a divulgação for considerada pelo Conselho de Administração como algo que possa pôr em risco interesse legítimo da estatal, hipótese em que só se divulgará o extrato das atas (essa opacidade não atinge, todavia, os órgãos de controle, que deverão ter total e irrestrito acesso ao conteúdo das atas do Comitê, com responsabilidade da transferência do sigilo).

6. Licitações e contratos das estatais

A parte de licitações e contatos talvez possa ser caracterizada como a mais polêmica da Lei das Estatais, pois o primeiro ponto que chama atenção é que houve a adoção de um sistema muito parecido com o regime diferenciado de contratação (RDC), com algumas adaptações.

Um aspecto que foi resolvido pela lei, antes até do posicionamento aguardado há tempos do Supremo Tribunal Federal, foi a revogação das leis que autorizam o Presidente da República a editar decreto de procedimento de licitação simplificado para a Petrobrás e para a Eletrobrás.

Exceto nas hipóteses de contratação direta, previstas nos arts. 29 e 30 da Lei das Estatais, serão obrigatoriamente precedidos de licitação: os contratos com terceiros destinados à prestação de serviços às empresas públicas e às sociedades de economia mista, inclusive de engenharia e de publicidade, à aquisição e à locação de bens, à alienação de bens e ativos integrantes do respectivo patrimônio ou à execução de obras a serem integradas a esse patrimônio, bem como à implementação de ônus real sobre tais bens.

De certa forma, seguiu-se a orientação, que já era reconhecida, no sentido de que as estatais não precisariam licitar atividades fins, mas geralmente as atividades meio, conforme se determinou que são dispensadas da observância da licitação em caso de comercialização, prestação ou execução, de forma direta, de produtos, serviços ou obras especificamente relacionadas com seus respectivos objetos sociais.

Também houve a inclusão de um inciso mais polêmico, que afasta a licitação nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo. São consideradas oportunidades de negócio a formação e extinção de parcerias e outras formas associativas, societárias e contratuais, a aquisição e a alienação de participação em sociedades e outras formas associativas, societárias e as operações realizadas no âmbito do mercado de capitais, respeitada a regulação pelo respectivo órgão competente.

A lei expressamente estende a obrigatoriedade de observância dos favorecimentos às microempresas e empresas de pequeno porte previstos no Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (LC n. 123/06). Ela incorpora nos seus princípios, entre outros, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, referindo-se expressamente à observância do ciclo de vida do objeto, o que revela uma preocupação com a previsão de regras atinentes à sustentabilidade para a existência de contratações, sendo objetivo expresso evitar o sobrepreço ou superfaturamento.

Apesar da descrição legal pormenorizada de hipóteses de superfaturamento, a escolha pelas características do RDC não seria a medida mais apta a evitá-los, do ponto de vista da flexibilidade dada na fiscalização dos critérios dos projetos, conforme será exposto.

Entre as hipóteses de dispensa que foram pormenorizadas no art. 29 da lei, houve a previsão de valores de contratação direta para: (1) obras e serviços de engenharia até 100 mil reais, e (2) para outros serviços, alienações e compras de valor até 50 mil reais.

Ocorreu, portanto, o aumento dos valores que permitem a contratação direta em comparação com a disciplina anterior. O art. 30, por sua vez, prevê hipóteses que na lei geral de licitações são chamadas de inexigilidade, denominadas na lei das estatais de inviabilidade de competição.

Novidade para a licitação das estatais é a autorização legal para o uso de procedimento de manifestação de interesse privado (PMI), expediente normalmente empregado em concessões ou permissões de serviços públicos, bem como em parcerias público-privadas, que permite a apresentação de projetos, levantamentos, investigações ou estudos, por pessoa física ou jurídica de direito privado, com a finalidade de subsidiar a administração pública na estruturação de empreendimentos.

Curioso notar que a Lei das Estatais cria algumas exigências particulares de suas licitações, mas depois alega que haverá a adoção da modalidade de preferencial de licitação por pregão, conforme a Lei n◦ 10.520/02. Há maior flexibilidade na classificação, pois se permite correção de defeitos sanáveis apresentados nas propostas.

O art. 38 da lei estabelece inúmeros impedimentos de participação de licitação por empresa bastante restritivos inclusive se houver sócio ou administrador de empresa suspensa ou impedida ou mesmo tiver nos seus quadros de diretoria pessoa que participou de empresa declarada inidônea, o que pode ser considerada uma medida exagerada, sobretudo se a pessoa não tiver culpabilidade em relação à conduta da mencionada empresa anterior.

Foram mantidas do RDC as hipóteses de orçamento sigiloso (art. 34 da lei), a oportunidade recursal concentrada, e a contratação integrada, sendo que a Lei das Estatais inovou, criando uma controvertida contratação semi-integrada, que será regra em obras de engenharia. Semi-integrada porque o projeto básico existe, mas pode ser alterado, desde que seja demonstrada a superioridade das inovações em termos de redução de custos, de aumento de qualidade, de redução da prazo de execução e de facilidade de manutenção ou operação.

Ademais, assim como nas parcerias público-privadas se visa uma repartição objetiva de riscos, na licitação da lei das estatais há, no art. 42, X, a obrigatoriedade da previsão de uma matriz de riscos, em que se estabelece regras referentes aos ônus financeiros decorrentes de fatos supervenientes à contratação.

Por fim, apesar de a lei ter sido bastante pormenorizada no tratamento da licitação, paradoxalmente com brechas estruturais questionáveis, que têm impactos na fiscalização e dos contratos, ela não previu um tratamento completo no tocante à regulamentação dos contratos administrativos, em comparação, por exemplo, com a Lei geral de Licitações, o que também é alvo de indagações.

7. Conclusões

A Lei das Estatais apresenta algumas perplexidades: surgiu tarde e, paradoxalmente, às pressas. Ainda, apesar de ser aplicada de imediato às novas estatais, fornece um prazo muito longo às empresas públicas e sociedades de economia mista já existentes para a adaptação às novas regras, correspondente a dois anos (24 meses).

O ponto forte da lei foi pormenorizar regras de fiscalização e controle rumo à maior transparência da governança corporativa, para evitar conflitos de interesses e permitir o controle tempestivo da estatal diante de decisões estratégicas. Essas determinações tendem a melhorar a situação jurídica dos seus investidores particulares.

Também houve a delimitação da necessidade de adoção do Código de Ética e Integridade, o que já era praticado por grande parte das estatais, e a previsão de um Comitê de Auditoria Estatutário, este sim mais inovador, uma vez que avaliará os parâmetros que fundamentam os cálculos atuariais, bem como os planos de benefícios de fundos de pensão para tentar evitar lesão aos investidores de fundos, sobretudo de entidades fechadas de previdência complementar, diante de possíveis decisões abusivas tomadas pelos órgãos de cúpula.

Apesar de toda celeuma em torno dos novos critérios de indicação, para supostamente afastar o “aparelhamento político” da estatal, entendemos que esses novos parâmetros ainda são bem abrangentes.

A presença de critérios técnicos de indicação compreende, sem dúvida, uma preocupação legítima, mas jamais suficiente (ainda mais que a ação de técnicos pode ser articulada com interesses políticos escusos), pois os desvios seriam muito melhor combatidos, data venia, se houvesse um tratamento mais pormenorizado focado na fiscalização dos contratos administrativos celebrados pelas estatais, pois é deles que advieram os problemas identificados de distorções ocorridas na Lava Jato, por exemplo.

Mas, no tocante às regras de licitação, há dificuldades de compreensão da lei, dado que ela foi pormenorizada em muitos dispositivos, até mais do que o desejado pelo desígnio constitucional pós-emenda 19/98 para estatais que atuam no domínio econômico, daí outro ponto conflitante da regulamentação legal em relação ao tratamento constitucional (pois a lei tratou indiscriminadamente todas as estatais: tanto as que prestam serviços públicos como as que atuam no mercado, o que é um equívoco), mas, ao mesmo tempo, ela copia do RDC (Regime Diferenciado de Contratação), o que é mais indiciário da flexibilização na fiscalização, isto é, além do orçamento sigiloso, houve a adoção de uma problemática contratação que agora é semi-integrada e que deixa abertas brechas de ajustes que podem gerar, a depender da índole da contratação em particular, o “pretensamente” combatido superfaturamento.

Logo, o ponto fraco é o tratamento dado às licitações e contratos, pois a Lei das Estatais supostamente procura hastear a bandeira do combate à corrupção fincando-se em terreno tecnicamente movediço…

Obs. Ao utilizar as reflexões deste artigo fazer a menção à fonte, por gentileza: NOHARA, Irene Patrícia. Mudanças promovidas pela nova Lei das Estatais: pontos fortes e fracos. Disponível em: <www.direitoadm.com.br>. Acesso em (inserir a data de acesso). Muito obrigada.


A professora Irene Nohara também gravou um vídeo para o Canal Gen Jurídico, comentando sobre as novas regras de fiscalização e controle das Estatais. Confira abaixo:

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