De acordo com a doutrina administrativista, existe a possibilidade da expropriação por particulares, recebendo a denominação de “desapropriação social”. Para os doutrinadores, o instituto fundamentado no Art. 1.228, §§ 4º e 5º do Código Civil Brasileiro é pouco conhecido e pesa sobre ele a pecha da inconstitucionalidade, mais porque desrespeita, pretensamente, o Princípio da separação dos poderes e o Princípio do due process of law.

Com efeito, o argumento da contrariedade ao Princípio da separação dos poderes se deve ao fato de que a decisão de desapropriar cabe ao Poder Judiciário, na pessoa do juiz e não ao Poder Executivo, na figura do administrador público, depositário da lídima competência da oportunidade e conveniência da decisão. Quanto ao Princípio do due process of law, o argumento da contrariedade decorre porque tal expediente, juridicamente, não atende a um rito procedimental previsto em lei.

De qualquer forma, vamos entender os requisitos de aplicação do instituto para, enfim, podermos verificar a sua constitucionalidade ou não.

REQUISITOS

Para aplicação do instituto, o magistrado deve emitir juízo de valor sobre a oportunidade e conveniência (discricionariedade) de realizar uma desapropriação especificamente em relação a apossamento de extensa área por posseiros, inclusive observando-se os seguintes requisitos: 1) a feitura de obras e serviços de relevante interesse social e econômico; 2) a posse de boa-fé por mais de cinco anos e sem interrupções; e 3) a posse seja de um número considerável de pessoas.

Tal instituto é fundamentado, como vimos, no Art. 1.228. §§4º e 5º do Código Civil Brasileiro, literis:

Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.(…)

§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

§5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.

Do exposto, podemos perceber que esse tipo expropriatório diferencia-se da desapropriação realizada pelo Poder Executivo em cima de dois pontos: a) a motivação baseia-se em interesse social e econômico relevante e não em utilidade ou necessidade pública; e b) não há uma norma legal regulamentando o procedimento da “desapropriação social”, como ocorre nos casos de expropriação por utilidade ou necessidade pública, que é o Decreto-Lei n.º 3.365/1941.

Entretanto, algumas considerações são necessárias para entender as diferenças colocadas no parágrafo anterior, bem como, elucidações acerca da pecha da inconstitucionalidade.

(IN) CONSTITUCIONALIDADE DO INSTITUTO

Segundo o Art. 1.228, §§4º e 5º do Código Civil Brasileiro, a desapropriação social tem sua motivação muito bem legitimada, uma vez que o legislador, ao dar a redação a este dispositivo legal, realizou o resgate duma questão problemática no Brasil – a disputa de terras que, historicamente, sempre pendeu a favor dos grandes latifundiários. O artigo propõe uma medida compensatória nessa briga atávica em nosso país, onde os posseiros ou trabalhadores sem terra sempre perderam nessa disputa.

No que se refere à inconstitucionalidade, não percebemos isso, senão vejamos: em primeiro lugar, dizer que é uma contrariedade ao Princípio da separação dos poderes ou ao Princípio do due process of law não tem razão de prosperar, posto que se encerre aí, uma ponderação de princípios, de modo que se indaga: qual é o mais relevante, os princípios em comento ou o Princípio da função social da propriedade, alçado à patamar de princípio explícito da Constituição Federal?

Dessa forma, à guisa de finalização, nada mais justo que o juiz, representante da potestade estatal, portanto do Poder Público, declarar a expropriação de bem imóvel como penalidade ao proprietário, tendo como fundamento o Princípio da função social da propriedade. Assim, com essa medida, indiretamente o interesse público está mais garantido do que os interesses particulares, vez que arrimado na especulação imobiliária ou na improdutividade da terra.

A nosso ver, a desapropriação social é um instituto de intervenção com caráter constitucional, pois o interesse coletivo é mais importante que o particular, cujo cumprimento no caso da função social da propriedade privada não é observado. Em outras palavras, a motivação da aplicação do instituto, por assim dizer, é a razão de ser do Estado, porque atende aos interesses públicos primários e também porque será concedida uma indenização ao proprietário, garantia prevista no Art. 5º, XXIV, da nossa Carta Magna.

É conceito que não se confunde como mero sistema de limitação da propriedade.

Segundo José Afonso da Silva, a função social da propriedade permeia a própria estrutura do direito de propriedade, ‘‘pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, utilização e gozo dos bens’’ (1997, p. 275).

Ela não nega o direito exclusivo do dono sobre a coisa, exige, porém, que o seu uso seja condicionado ao bem-estar social.

O art. 5º, inciso XXII da CF/88 garante o direito de propriedade, sendo que o inciso seguinte (XXIII) determina que a propriedade atenderá a sua função social.

A menção constitucional da função social da propriedade surgiu pela primeira vez na Constituição de 1946. A Constituição de 1967 incluiu-a como um dos princípios da ordem econômica e social (art. 160, III). Já a Constituição de 1988 também estabeleceu, no art. 170, III, com a ênfase em que ela assegure ‘‘a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social’’.

A função social da propriedade urbana encontra-se disciplinada nos artigos 182, § 2º e § 4º, que exigem adequação ao Plano Diretor do Município sob pena de parcelamento ou edificação compulsórios (como primeira hipótese prevista nas penalidades sucessivas).

A função social da propriedade rural, cf. art. 186 da CF, é cumprida quando se atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigências estabelecidos em lei (a matéria encontra-se disciplinada na Lei nº 8.629/93 e Lei Complementar nº 76/93), aos seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. Não cumprindo estas determinações o proprietário fica sujeito à desapropriação para fins de reforma agrária.

Artigo escrito por Irene Nohara para direitoadm.

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