O acordo de leniência é medida de justiça negocial que já era utilizada há tempos no combate às condutas anticoncorrenciais no Brasil antes mesmo da sua positivação como mecanismo da Lei Anticorrupção Empresarial. No entanto, o acordo de leniência representou uma grande e importante novidade quando foi prevista pele Lei nº 12.846/2013.

Trata-se de similar à delação premiada. Contudo, enquanto na delação premiada há uma imputação penal sobre uma pessoa física que faz a delação, no caso do acordo de leniência quem celebra o acordo e colabora é uma pessoa jurídica.

É acordo porque é voluntário, sendo assim a empresa se oferece para celebrar e a Administração, tendo em vista a obtenção de informações e descoberta de dados sobre coautores e partícipes se compromete a reduzir ou extinguir, isto é, agir de modo leniente, quer dizer, mais suave ou brando no tocante a aplicação das sanções da Lei Anticorrupção.

Assim, a eficácia é o universo mirado na leniência, sendo que o o acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo, havendo, portanto, cláusulas em que a empresa irá se comprometer com o resultado de identificação dos demais envolvidos e com a apresentação de documentos e informações que comprovem o ilícito.

Se for rejeitada a celebração do acordo: não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada. Significa dizer que a Administração não é obrigada a acatar e celebrar o acordo, sendo discricionária a ponderação baseada, portanto, na potencialidade de lhe extrair resultado útil…

A disciplina legal do acordo de leniência é encontrada no art. 16 da Lei nº 12.846/2013, segundo o qual a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniênciacom as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: I – a identificação dos demais envolvidos na infração (coautores e partícipes), quando couber; e II – a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

São requisitos legais exigidos pelos incisos do § 1º do art. 16 da Lei Anticorrupção: (1) a pessoa jurídica ser a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito (first come, first served); (2) a pessoa jurídica cessar completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data da propositura do acordo; e (3) a pessoa jurídica admitir a sua participação e coopere plenamente, hipótese em que deve comparecer, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até o seu encerramento.

A celebração do acordo de leniência não isenta a pessoa jurídica de ter de reparar integralmente o dano causado.  

Quanto às vantagens ofertadas à empresa que celebra acordo de leniência:

  • Isenção da sanção do inciso II do art. 6º, isto é, publicação extraordinária da decisão condenatória;
  • Isenção da sanção do inciso IV do art. 19, qual seja: proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações e empréstimos por entidade pública ou controlada pelo Poder Público; e
  • Redução em até 2/3 (dois terços) do valor da multa aplicável.  

Se a empresa não cumprir o acordo de leniência, será cobrado o valor integral da multa, sem a redução que fora acordada. Aliás, em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de três anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.

Whistleblower

Expressão inglesa que literalmente significa “assoprador de apito”, em alusão à postura antiga da polícia da Inglaterra que usava do apito para acusar em público uma prática delituosa e chamar a atenção da sociedade.

A palavra delator adquiriu, todavia, no Brasil um sentido pejorativo. Acusa-se Judas de traidor de Jesus por tê-lo entregue aos seus algozes, do ponto de vista cultural. Também em regimes autoritários, em que havia perseguição de pessoas que questionavam o sistema, havia delatores que denunciavam pessoas ao regime, entregando-as aos agentes do Estado que as torturavam, perseguiam e monitoravam.

Contudo, utiliza-se a expressão whistleblower para alguém que informa de irregularidades e transgressões ocorridas nas organizações. Trata-se de um informante, não de um traidor propriamente. Note-se que algumas profissões têm por dever o sigilo e a confidencialidade, a exemplo dos advogados e de auditores em alguns contextos.

Tanto a Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro) como a Transparência Internacional estimulam a existência e regulação para estímulo do whistleblower (o que ocorreu mais recentemente com a Lei Anticrime).

Conforme expõem André Castro e Tiago Alvim,[1] na obra organizada por Rodrigo Pironti e Marco Aurélio de Paula, há, na prática, um sopesamento de males, que indica, sem dúvida, um dilema moral: romper com lealdades interpessoais nas corporações ou romper com a inércia e informar para que haja a apuração e cessão de irregularidades?

O sentimento individual faz com que a pessoa se depare com algo errado e informe, mas tal postura depende de um background ético, profissional etc. Existem, contudo, sociedades mais amigáveis ao whistleblowing, a exemplo dos americanos e dos anglo-saxões, por conta do individualismo e da discordância que caracteriza mais o protestantismo, e, por outro lado, sociedades que reprimem mais a prática, como as sociedades latinas e também asiáticas, onde há um espírito coletivo, estímulo à lealdade nas relações interpessoais e também uma ideia de preservar o equilíbrio da “boa vizinhança”.

Contudo, os mencionados autores também enfatizam que talvez ainda a incipiência da prática seja mais derivada de falta de ferramentas apropriadas, sendo que no momento de elaboração da reflexão, ainda não havia sido positivado o mecanismo, do que propriamente questões culturais. Importante, então, que não se jogue a culpa no colaborador que apresenta a situação. Também é relevante que haja políticas de “não retaliação” do informante, dado que a sua ação provoca correções e aprendizagem na organização.

Atualmente, o mecanismo vem previsto na Lei Anticrime (13.964/2019), da seguinte forma, no art. 15:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e suas autarquias e fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista manterão unidade de ouvidoria ou correição, para assegurar a qualquer pessoa o direito de relatar informações sobre crimes contra a administração pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público.

Considerado razoável o relato pela unidade de ouvidoria ou correição e procedido o encaminhamento para apuração, ao informante serão asseguradas proteção integral contra retaliações e isenção de responsabilização civil ou penal em relação ao relato, exceto se o informante tiver apresentado, de modo consciente, informações ou provas falsas.

O informante terá direito à preservação de sua identidade, a qual apenas será revelada em caso de relevante interesse público ou interesse concreto para a apuração dos fatos. A revelação da identidade somente será efetivada mediante comunicação prévia ao informante e com sua concordância formal.”

Será assegurada ao informante proteção contra ações ou omissões praticadas em retaliação ao exercício do direito de relatar, tais como demissão arbitrária, alteração injustificada de funções ou atribuições, imposição de sanções, de prejuízos remuneratórios ou materiais de qualquer espécie, retirada de benefícios, diretos ou indiretos, ou negativa de fornecimento de referências profissionais positivas.

A prática de ações ou omissões de retaliação ao informante configurará falta disciplinar grave e sujeitará o agente à demissão a bem do serviço público. O informante será ressarcido em dobro por eventuais danos materiais causados por ações ou omissões praticadas em retaliação, sem prejuízo de danos morais.

Um ponto bastante polêmico é a possibilidade de participação no valor recuperado, que gera uma sensação de estímulo: Quando as informações disponibilizadas resultarem em recuperação de produto de crime contra a administração pública, poderá ser fixada recompensa em favor do informante em até 5% do valor recuperado. Trata-se de medida que pode gerar uma indústria de ações de delação para obtenção de parte do produto recuperado pela informação.


[1] CARVALHO, André Castro; ALVIM, Tiago Cripa. Whistleblowing no ambiente corporativo: standards internacionais para sua aplicação no Brasil. PAULA, Marco Aurélio Borges de; CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de. Compliance, Gestão de Riscos e Combate à Corrupção. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 121.

Já não consegue mais acompanhar tantas modificações? Verifique rapidamente SETE GRANDES modificações processadas na matéria, QUE TORNAM ANTERIOR ESTUDO OBSOLETO:

1 – OBJETIVO DIFERENTE NA LICITAÇÃO

A licitações objetivam, além de garantir a isonomia e buscar a proposta mais vantajosa para contratação, também promover o desenvolvimento nacional sustentável, o que significa que hoje as licitações têm objetivo metacontratual de promoção do desenvolvimento: promovem, por exemplo, inclusão social (de microempresas e empresas de pequeno porte) e devem obedecer diversos parâmetros de proteção ambiental (compras verdes ou licitações sustentáveis);

2 – USUCAPIÃO DE TERRA PÚBLICA

Já não é unânime do ponto de vista jurisprudencial que terras públicas não são passíveis de usucapião! Não obstante a previsão constitucional e a orientação doutrinária, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na Apelação Cível 1.0194.10.011.238-3/001, jugada em 8 de maio de 2014, reconheceu usucapião, em detrimento do DER-MG, de localidade sem título preexistente (terra devoluta), onde se assentaram dez famílias de ex-funcionários do DER-MG – alegou-se função social da posse em detrimento da imprescritibilidade;

3 – NOVA DISCIPLINA DAS PARCERIAS

Assim que cessar a vacatio legis, as parcerias com a Administração Pública serão regidas pela Lei nᵒ 13.019/2014: trata-se de lei que criou regras para o processamento e monitoramento das parcerias, com a previsão de dois institutos: o termo de colaboração e o termo de fomento, um aspecto positivo é que a lei possibilita o aditamento de tais instrumentos, desde que se respeite o objeto aprovado;

4 – MAIOR EXTENSÃO DO RDC

O Regime Diferenciado de Contração – RDC já não se aplica só às obras associadas aos Jogos Mundiais (Copa das Confederações, Copa do mundo, Olimpíadas, Paraolimpíadas e aeroportos próximos aos eventos), tendo sido estendido para: ações integrantes do Plano de Aceleração Econômica (PAC), cf. Lei nᵒ 12.688/2012; estabelecimentos penais, cf. Lei nᵒ 12.980/2014; e sistemas públicos de ensino, cf. Lei nᵒ 12.722/2012;

5 – RESTRIÇÕES À TESE DA IMPRESCRIBILIDADE DOS DANOS AO ERÁRIO

O STF reconheceu a prescrição de ação patrimonial de ressarcimento ao erário no RE 669069, dando ao tema repercussão geral, em 14 de junho de 2013, não sendo, portanto, todas as circunstâncias que se submetem ao art. 37, § 5ᵒ, parte final, da Constituição;

6 – LICITAÇÕES NA ÁREA DE DEFESA

Em 2011, o governo federal editou Medida Provisória 544, que foi convertida na Lei nᵒ 12.598/2012, no intuito de disciplinar regramento específico de licitação na área de defesa, objetivou-se estimular o desenvolvimento da indústria de defesa no Brasil, com vistas a incentivar o desenvolvimento de tecnologia na produção de equipamentos militares. Agora licitações na área de defesa também possuem regramento próprio;

7 – LEI ANTICORRUPÇÃO E A CORRIDA PELO COMPLIANCE

A Lei Anticorrupção vem provocando modificações nas práticas empresariais – como as sanções previstas podem ter significativo impacto nas atividades empresariais: nos casos mais graves, provocam até a dissolução compulsória das atividades, sendo que a multa aplicada pode atingir 20% do faturamento bruto, e o art. 7ᵒ, VIII, da Lei nᵒ 12.846/2013, determina que na aplicação das sanções as autoridades levarão em conta a “existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva dos códigos de ética e de conduta da pessoa jurídica”, muitas empresas que ainda não possuem, estão estruturando suas regras de compliance (conceito da governança corporativa que demanda da empresa que esteja em conformidade com regramentos externos e internos, com introjeção dos valores organizacionais nas práticas corporativas).

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