Enquanto pichação é considerada crime, de acordo com o art. 65, da Lei nᵒ 9.605/98, apenado com detenção, de três meses a um ano, e multa, sendo a pena mínima aumentada de seis meses de detenção e multa se for realizada em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, conforme determina a Lei nᵒ 12.408/11, o grafite foi descriminalizado.

O ato de grafitar não é considerado crime desde que o grafite seja realizado com objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.

A descriminalização do grafite foi engendrada após a percepção de sua ambivalência, dado que ao mesmo tempo em que alguns setores (mais conservadores) consideravam o grafite da perspectiva de poluição visual, ou seja, do que vulgarmente se denomina “vandalismo”, em outra perspectiva, mais progressista, o grafite foi sendo apreciado como manifestação de elevada qualidade artística.

O movimento de descriminalização do grafite representou, portanto, a institucionalização de uma prática que surgiu de forma alternativa (como contracultura), em Nova Iorque e na Europa,[1] tendo sido depois utilizada no mundo todo. Ressalte-se que, atualmente, considera-se o estilo de grafite do Brasil como um dos melhores do mundo.

O grafite pode ser empregado como expressão muito próxima à arte mural, com destaque para o seu aspecto plástico, o que gera valorização de espaços públicos e privados.

A ambivalência do grafite imprime, todavia, alguns DESAFIOS difíceis de serem equacionados:

– primeiramente, são tantas as exigências de realização do grafite: (1) intuito (valorização do patrimônio – como se não fosse um fim em si – o que, advirta-se, não é a proposta de ARTE); depois: consentimento do proprietário, locatário e arrendatário, ainda: autorização do órgão competente, observando as posturas municipais e as normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela conservação, caso seja realizado em bem público –, o que implica numa BUROCRATIZAÇÃO de sua realização; depois, (2) o controle do grafite pode ter o potencial de transformá-lo de arte alternativa, isto é, de aspecto de contracultura, em arte encomendada, pois, daí surge a seguinte indagação: a dita acomodação do grafite não resvalaria, no fundo, para seu “enquadramento”, mais do que uma mera “acomodação”, em detrimento da liberdade característica de sua manifestação?

Um exemplo da complexidade desta indagação é o mencionado por Arthur Hunold Lara,[2] em dissertação realizada na ECA, em que se expõe que o Projeto “Grafite-se”, protagonizado pela Secretaria Estadual de Cultura de São Paulo, um dos primeiros realizados oficialmente, objetivava expandir a arte ao interior do Estado de São Paulo – ocorre que, numa grafitagem realizada na cidade de Mococa, em 1989, um dos grafites feitos no mural de uma escola local retratou uma mulher nua. Foi, então, solicitado que a arte fosse modificada a partir da alegação de que a escola era frequentada por crianças pequenas. No dia seguinte, atendendo à solicitação, os grafiteiros inseriram na figura um avental de professora, escondendo sua nudez.

Apesar da harmonização dos objetivos visados, ainda assim não se pode deixar de observar que houve um “enquadramento” que tolheu o caráter irreverente, provocativo e alternativo do grafite.

Logo, a regulamentação e o enquadramento da “contracultura” não deixa de apresentar desafios de delicado equacionamento, dado que o aspecto de limitação das manifestações artísticas não deixa de ser carregado de um teor de questionável CENSURA.

Todavia, a descriminalização em si já é um movimento louvável, sendo a problemática deslocada do Direito Penal para o Direito Administrativo: quais os limites que as posturas municipais (poder de polícia/polícia administrativa) devem estabelecer ao grafite sem ferir o núcleo essencial de expressão desta valorizada manifestação artística?

A resposta não pode ser dada a priori, dependerá, a meu ver, de uma interlocução com diversos grupos da sociedade.


[1] LARA, Arthur Hunold. Grafite arte em movimento. São Paulo: Dissertação – ECA/USP, 1996. p. 50.

[2] Op. cit. p. 52.

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