Ocorreu entre os dias 6 e 8 de agosto o excelente Seminário de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da USP/RP, organizado pelo Professor Livre-Docente e Doutor Thiago Marrara. Mesas de Debate acaloradas com pesquisadores nacionais e internacionais.

Participamos da mesa: A reforma do direito administrativo e a transformação do controle. O que mudou? Como o controle interno foi afetado?

Falamos das transformações dos modelos de gestão, da falácia sobre o discurso acerca do pretenso ‘esgotamento’ do modelo burocrático, principalmente quando se mencionava a necessidade de se superar o sistema da rule based accountability, isto é, da prestação de contas por regras…

Basta refletir que no final dessa mesma década surgiam, paralelamente à Reforma, as leis de processo administrativo… Assim, o Plano da Reforma paradoxalmente objetivava “superar” aquilo que SEQUER tinha sido adequadamente regrado no Brasil!?!

Até então só havia procedimentos específicos disciplinados por lei e tudo o que não se submetia a regras era feito basicamente por procedimentos ad hoc das Administrações – situação muito diferente, por exemplo, dos EUA que já possuem sua lei de processo administrativo desde 1946 (com a Administrative Procedure Act).

O que há de mudanças, mais atuais, inspiradas na governança corporativa, são as “novas” concepções de controle, com base na accountability (por desempenho), da compliance (sobretudo após o impacto da Lei Anticorrupção), da transparência e da discussão mais intensiva dos conflitos de interesse (na equidade) – mas também o alerta: enquanto os modelos de governança corporativa são inspirados na realidade das corporações privadas, e do possível conflito entre stakeholders (entre os quais, principalmente os investidores/acionistas, mas também: fornecedores e clientes), a gestão pública não deve SÓ prestar contas aos ‘investidores/patrocinadores’ (o que seria, a meu ver, um caminho rumo – ou melhor, de retorno – à gestão patrimonialista da coisa pública), mas sobretudo ao povo (não só visto da perspectiva distorcida do “cidadão-cliente”, mas de uma cidadania que não se preocupe exclusivamente com as relações de consumo, ou seja, de uma dimensão participativa da cidadania e preocupada com a satisfação das necessidades públicas).

Aliás, esse mesmo substrato de crítica que promoveu as condições de avanço da discussão da própria New Public Management da etapa do consumerismo para a public service orientation, pois também lá se discute que o incremento da competitividade entre prestadores pode gerar desequilíbrios na prestação de serviços e atendimentos desequilibrados inclusive das necessidades da coletividade.

Então, não só o gerencialismo sofreu críticas acirradas nos países que inspiraram a nova gestão, mas até o consumerismo, segunda etapa, daí porque a public service orientation restaura a indagação sobre o equilíbro no atendimento das necessidades da população (preocupação de índole mais pública do que propriamente privada!).

Inclusive o professor Daniel Hachem, brilhante administrativista do Paraná e pesquisador internacionalmente respeitado na área, identificou que a Reforma acabou por não promover mudanças que uma verdadeira Reforma Administrativa deveria ter feito, pois muitos aspectos problemáticos não foram SEQUER esclarecidos, haja visto que as definições incompletas do Decreto-lei n. 200, de 1967, são AINDA aplicáveis no cenário da Administração Pública brasileira, ou seja, segue ainda, no plano normativo infraconstitucional, indefinido o regime das estatais que desenvolvem atividades econômicas!

Também qualificou o debate da mesa a exposição da doutora Cristina del Pilar Pinheiro Busquets, que integra há 30 anos o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, e que nos revelou, com exemplos memoráveis, além do seu engajamento ativo nas atividades de controle, mudanças muito significativas que nem sempre são de conhecimento de todos, a exemplo da atuação mais preventiva e orientadora do órgão que tem impacto na gestão dos 644 Municípios fiscalizados e evita futuras judicializações: os Municípios vão sendo avisados, por meio de ALERTAS, das obrigações que estão em vias de não serem cumpridas ANTES de qualquer acionamento do controle repressivo, ainda – há o portal do cidadão do TCE, que apresenta dados e estimula o controle social da Administração (orienta a cidadania à fiscalização): http://www.portaldocidadao.tce.sp.gov.br/aprenda-a-fiscalizar

Falamos de muitas outras coisas: sobre a questão das sobreposições de controles, que se multiplicam com inúmeras novas leis, cujas responsabilidades de implementação não são concentradas, mas dispersas em atribuições institucionais de diversos órgãos, o que pode gerar irreversíveis injustiças, tendo em vista que muitas vezes as orientações e sanções são lamentavelmente CONTRADITÓRIAS; sobre a necessidade de simplificação da linguagem para que o controle seja feito de forma mais efetiva e clara – assunto que o TCE vem dando especial atenção, inclusive para uma interlocução mais profícua com outros órgãos de controle, como o Ministério Público etc.

Depois, no sábado, tivemos as Oficinas de Trabalhos Científicos. Participei, com os professores Rodrigo Pagani e Daniel Hachem, da exposição das iniciações científicas: trabalhos belíssimos – sobre deliberação pública e controle social, de João Paulo Salles Pinto, com referenciais teóricos contemporâneos no debate da democracia; diferenças entre a lei anticorrupção e a lei antitruste, de Clóvis Alberto Bertolini de Pinho; importância da participação popular no combate à corrupção, de Maria Aparecida Amaral; algumas vicissitudes da gestão da previdência e os impactos na tutela aos direitos fundamentais (sociais), de Priscilla Horwat Dalaporte; e das questões jurídicas associadas com a discussão dos rolezinhos, de Jesus Pacheco Simões (situações que subvertem as fronteiras entre público e privado – pois o shopping é espaço privado aberto ao público, daí a referência do pesquisador à expressão de Michael Sandel da camarotização da vida – aliás, muito emblemático e importante o debate acerca de segregação social, pois lembramos dos problemas jurídicos que estão sendo averiguados pelo Ministério Público em relação a uma casa de entretenimentos que supostamente estaria orientando os funcionários a barrar a entrada de “negro, humilde e gente gorda”, conforme anunciado no portal do ig, até nos surpreendemos que o nome do estabelecimento paradoxalmente é constituído pela expressão ‘Mix’ – já abrimos a deixa para o José Simão da Folha!).

À tarde foram as exposições de dissertações e teses. Participei da discussão de trabalhos sobre infrações disciplinares, controle pelo devido processo administrativo, exaurimento dos questionamentos internos da Administração e o controle como meio de se evitar a judicialização dos conflitos.

Em suma, o evento vai galgando paulatino impacto nas pesquisas de Direito Administrativo no Brasil, pela interlocução e trocas de ideias. Parabéns ao Thiago Marrara e à equipe organizadora!

LivrosLivros