Depois de vinte anos de trâmite, houve a sanção da Lei dos Concursos Públicos: trata-se da Lei nº 14.965, de 9 de setembro de 2024. A lei estabelece normas gerais sobre concurso público para provimento de cargos e emprego, regulamentando o art. 37, II, da Constituição. De acordo com o dispositivo constitucional, a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
Veja os principais assuntos disciplinados pela Lei dos Concursos Públicos:
ABRANGÊNCIA
Além da lei que prevê a disciplina geral, os concursos serão também regidos por lei e regulamentos específicos, os quais devem ser compatíveis com a lei geral, e pelos respectivos editais. Ademais, alternativamente à observância das normas da Lei dos Concursos Públicos, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios podem optar por editar normas próprias, observados os princípios constitucionais da administração pública e também os previstos na lei geral.
Não se aplica a lei geral dos concursos, aos seguintes certames: (1) magistratura; ministério público, defensoria pública, membros das Forças Armadas; (2) das empresas públicas e das sociedades de economia mista que não recebam recursos da União para pagamento de despesas de pessoal e de custeio em geral; e (3) das empresas públicas e das sociedades de economia mista que não recebam recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para pagamento de despesas de pessoal ou de custeio em geral.
É, no entanto, facultada a aplicação total ou parcial da lei dos concursos se previsto no ato que autorizar sua abertura aos concursos das carreiras de juiz, promotor, defensor e das estatais não dependentes de repasse dos entes, bem como nos processos relativos ao à contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público; agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias; admissão de professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei, às universidades; e a outros não sujeitos ao concurso público nos moldes do art. 37, II, da Constituição.
OBJETIVO DA LEI: CONHECIMENTOS, HABILIDADES E COMPETÊNCIAS AVALIADAS
De acordo com o art. 2º da Lei dos Concursos públicos, o concurso público tem por objetivo a seleção isonômica de candidatos fundamentalmente por meio da avaliação dos conhecimentos, das habilidades e, nos casos em que couber, das competências necessárias ao desempenho com eficiência das atribuições do cargo ou emprego público, assegurada, nos termos do edital do concurso e da legislação, a promoção da diversidade no setor público.
Para os fins desta Lei, considera-se: (1) conhecimentos: domínio de matérias ou conteúdos relacionados às atribuições do cargo ou emprego público; (2) habilidades: aptidão para execução prática de atividades compatíveis com as atribuições do cargo ou emprego público; e (3) competências: aspectos inter-relacionais vinculados às atribuições do cargo ou emprego público.
FACULTATIVIDADE DO CURSO OU PROGRAMA DE FORMAÇÃO
Sem prejuízo de outras formas ou etapas de avaliação previstas no edital, o concurso público compreenderá, no mínimo, a avaliação por provas ou provas e títulos, facultada a realização de curso ou programa de formação, desde que justificada em razão da natureza das atribuições do cargo e prevista no edital. O curso ou programa de formação será obrigatório quando assim dispuser a lei específica da respectiva carreira.
A realização de curso ou programa de formação é facultativa, ressalvada disposição diversa em lei específica. O curso ou programa de formação poderá ser de caráter eliminatório, classificatório ou eliminatório e classificatório, introduzirá os candidatos às atividades do órgão ou ente, avaliará seu desempenho na execução de atribuições ligadas ao cargo ou emprego público e compreenderá: (1) instrução quanto à missão, às competências e ao funcionamento do órgão ou ente; e (2) treinamento para as atividades, as práticas e as rotinas próprias do cargo ou emprego público.
A instrução e o treinamento do candidato poderão ser feitos por meio de aulas, cursos, palestras ou outras dinâmicas de ensino, presenciais ou a distância, e serão avaliados com base em provas que garantam impessoalidade na avaliação. O treinamento para as atividades terá por base práticas que integrem a rotina do cargo ou emprego público, vedado o exercício de competências decisórias que possam impor dever ou condicionar direito.
Será considerado reprovado e, consequentemente, eliminado do concurso, o candidato que não formalizar matrícula para o curso de formação dentro do prazo fixado pelo ato de convocação ou que não cumprir no mínimo 85% de sua carga horária. A duração do programa será definida em regulamento ou no edital do concurso, de forma proporcional ao necessário para atingimento dos objetivos previstos
PROIBIÇÃO DAS DISCRIMINAÇÕES ILEGÍTIMAS
É vedada, em qualquer fase ou etapa do concurso público, a discriminação ilegítima de candidatos, com base em aspectos como idade, sexo, estado civil, condição física, deficiência, etnia, naturalidade, proveniência ou local de origem, observadas as políticas de ações afirmativas previstas em legislação específica.
MOTIVAÇÃO DA ABERTURA DO CONCURSO E EXIGÊNCIA DE PLANEJAMENTO
A autorização para abertura de concurso público, conforme art. 3º, da Lei Geral dos Concursos deverá ser expressamente motivada, contendo, no mínimo: evolução do quadro de pessoal nos últimos 5 anos e estimativa das necessidades futuras em face das metas de desempenho institucional para os próximos 5 anos; denominação e quantidade dos cargos e empregos públicos a serem providos, com descrição de suas atribuições; inexistência de concurso público anterior válido para os mesmos cargos e empregos públicos, com candidato aprovado e não nomeado; adequação do provimento dos cargos e empregos públicos, em face das necessidades e possibilidades de toda a administração pública; estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício previsto para o provimento e nos 2 (dois) exercícios seguintes, bem como sua adequação à Lei de Responsabilidade Fiscal).
Se houver concurso público anterior válido, com candidato aprovado e não nomeado, para os mesmos cargos ou empregos públicos, é autorizada a abertura excepcional de novo certame mediante demonstração de insuficiência da quantidade de candidatos aprovados e não nomeados diante das necessidades da administração pública. Trata-se de determinação que se choca com previsão existente na Lei nº 8.111/90, que proíbe abertura de novo concurso se há candidatos aprovados em concurso anterior válido.
Houve regras mais rigorosas de planejamento dos concursos públicos. O planejamento e a execução do concurso público poderão, por ato da autoridade competente para autorizar sua abertura, ser atribuídos a: (1) comissão organizadora interna do órgão ou entidade; ou (2) órgão ou entidade pública pertencente ao mesmo ente federativo ou, excepcionalmente, a ente diverso, que seja especializado na seleção, na capacitação ou na avaliação de servidores ou empregados públicos. Há aqui, na última hipótese, uma delegação por especialização, mas o órgão ou entidade delegados também constituirão comissão organizadora.
COMISSÃO ORGANIZADORA
A comissão organizadora será composta por número ímpar de membros, ocupantes de cargo ou emprego público, dos quais um deles será seu presidente, e decidirá por maioria absoluta. Sempre que possível, a comissão contará com, no mínimo, um membro da área de recursos humanos, e os demais membros deverão exercer atividades de complexidade igual ou superior às dos cargos ou empregos públicos a serem providos.
É vedada a participação na comissão de quem tenha vínculo com entidades direcionadas à preparação para concursos públicos ou à sua execução. Deve ser substituído o membro da comissão cujo cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, se inscreva como candidato no concurso público. As reuniões da comissão serão registradas em atas, que ficarão arquivadas e disponíveis para conhecimento geral, exceto quanto a informações que possam comprometer a efetividade ou a integridade do certame, que serão disponibilizadas após a divulgação dos seus resultados.
São competências da comissão organizadoras, conforme art. 6º:
I – planejar todas as etapas do concurso público;
II – identificar os conhecimentos, as habilidades e, quando for o caso, as competências necessários ao exercício dos cargos ou empregos públicos a serem providos;
III – decidir sobre os tipos de prova e os critérios de avaliação mais adequados à seleção, em vista dos conhecimentos, das habilidades e das competências necessários;
IV – definir, com base nas atribuições dos cargos e empregos públicos, o conteúdo programático, as atividades práticas e as habilidades e competências a serem avaliados;
V – decidir sobre o uso de avaliação por títulos, se lei específica não a determinar, bem como sobre os títulos a serem considerados, em vista dos conhecimentos, das habilidades e das competências necessários;
VI – fazer publicar o edital de abertura e os demais comunicados relativos ao concurso público;
VII – executar todas as fases ou etapas do concurso;
VIII – designar os avaliadores das provas, com formação acadêmica e atividade profissional compatíveis e sujeitos às vedações e aos impedimentos previstos nos §§ 2º e 3º do art. 5º desta Lei;
IX – designar os supervisores do programa de formação, segundo os requisitos constantes do inciso VIII do caput deste artigo.
§ 1º Por decisão da comissão organizadora, a execução do concurso público ou de suas etapas poderá ser atribuída a instituição especializada, que:
I – consultará formalmente a comissão organizadora sempre que houver dúvida quanto à execução do concurso público;
II – será responsável por assegurar o sigilo das provas.
§ 2º Caberá à comissão organizadora exercer as competências previstas nos incisos I a V do caput deste artigo e acompanhar a execução do concurso.
REQUISITOS MÍNIMOS DO EDITAL
O edital do concurso público deverá conter, no mínimo: (1) a denominação e a quantidade dos cargos ou empregos públicos a serem providos, com a descrição de suas atribuições e dos conhecimentos, das habilidades e das competências necessários, correlatos com as atividades a serem desempenhadas pelo servidor; (2) a identificação do ato que autorizou o certame, as leis de criação e os regulamentos dos cargos ou empregos públicos, bem como o vencimento inicial, com a discriminação das parcelas que o compõem; (3) os procedimentos para inscrição; (4) o valor da taxa de inscrição, bem como as hipóteses e os procedimentos para sua isenção ou redução; (5) as etapas do concurso público; (6) os tipos de prova e os critérios de avaliação, com especificação do conteúdo programático, das atividades práticas e, quando for o caso, das habilidades e das competências a serem avaliados; (7) quando couber, os títulos a serem considerados e a sua forma de avaliação; (8) a instituição especializada responsável pela execução do concurso ou de suas etapas, quando for o caso; (9) a sistemática do programa de formação, com especificação dos tipos e critérios de avaliação, da duração e das responsabilidades dos candidatos aprovados para essa etapa; (10) os critérios de classificação, de desempate e de aprovação no concurso público, bem como os requisitos para nomeação; (11) os percentuais mínimos e máximos de vagas destinadas a pessoas com deficiência ou que se enquadrem nas hipóteses legais de ações afirmativas e de reparação histórica, com indicação dos procedimentos para comprovação; (12) as condições para a realização das provas por pessoas com deficiência ou em situação especial; (13) as formas de divulgação dos resultados; (14) a forma e o prazo para interposição de recursos; e (15) o prazo de validade do concurso e a possibilidade de prorrogação.
CONCURSO PÚBLICO TOTAL OU PARCIALMENTE À DISTÂNCIA
Ponto mais polêmico da previsão se situa no art. 8º, que determina que o concurso poderá ser realizado total ou parcialmente à distância, de forma online ou por plataforma eletrônica com acesso individual seguro e em ambiente controlado, desde que garantida a igualdade de acesso às ferramentas e aos dispositivos do ambiente virtual, mas a aplicação do dispositivo depende de regulamentação, que poderá ser geral para o ente da Federação ou específica de cada órgão ou entidade, com consulta pública prévia obrigatória, observados os padrões de segurança da informação previstos em lei.
REGRAS SOBRE AS PROVAS
As provas do concurso público, de acordo com o art. 9º, deverão avaliar os conhecimentos, as habilidades e, quando for o caso, as competências necessárias ao desempenho das atribuições do cargo ou emprego público, de modo combinado ou distribuído por diferentes etapas.
As provas poderão ser classificatórias, eliminatórias ou classificatórias e eliminatórias, independentemente do seu tipo ou dos critérios de avaliação.
Sem prejuízo de outros tipos de prova previstos no edital, são formas válidas de avaliação: (1) de conhecimentos: provas escritas, objetivas ou dissertativas, e provas orais, que cubram conteúdos gerais ou específicos; (2) de habilidades: elaboração de documentos e simulação de tarefas próprias do cargo ou emprego público, bem como testes físicos compatíveis com suas atividades; e (3) de competências: avaliação psicológica, exame de higidez mental ou teste psicotécnico, conduzido por profissional habilitado nos termos da regulamentação específica.
O edital indicará de modo claro, para cada tipo de prova, se a avaliação será de conhecimentos, habilidades ou competências, facultada a combinação de tais avaliações em uma mesma prova ou etapa.
REGRA SOBRE AVALIAÇÃO POR TÍTULO
A avaliação por títulos, por sua vez, terá por base os conhecimentos, as habilidades e as competências necessários ao desempenho das atribuições do cargo ou emprego público e terá caráter classificatório.
APLICAÇÃO DA LINDB NO CONTROLE DOS CONCURSOS
A decisão controladora ou judicial que, com base em valores jurídicos abstratos, impugnar tipo de prova ou critério de avaliação previsto no edital do concurso público deverá considerar as consequências práticas da medida, especialmente em função dos conhecimentos, das habilidades e das competências necessários ao desempenho das atribuições do cargo ou emprego público, em observância ao caput do art. 20 da LINDB.
ENTRADA EM VIGOR
Trata-se de lei que entra em vigor no dia 1º de janeiro do quarto ano após a sua publicação oficial, podendo, no entanto, sua aplicação ser antecipada pelo ato que autorizar a abertura de cada concurso público. Trata-se de mecanismos sui generis de entrada em vigor, com possibilidade de aplicação antecipada.
Significa dizer que a lei entrará em vigor em 1º de janeiro de 2028, mas, a aplicação das novas normas pode ser antecipada por meio de ato específico que autorize a abertura de concursos públicos antes desta data.
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