QUESTÃO 2ª FASE DA MAGISTRATURA ESTADUAL DE SÃO PAULO: DIREITO ADMINISTRATIVO 2017
Considerando-se o regime jurídico administrativo e os princípios da separação de poderes e do controle jurisdicional dos atos administrativos, responda justificadamente:
a) Há diferença entre conceitos jurídicos indeterminados e discricionariedade?
b) Há competência discricionária no âmbito do direito administrativo sancionador?
c) É possível o controle jurisdicional para revisão ou substituição da sanção aplicada pela Administração Pública?
Respostas pormenorizadas elaboradas por Irene Patrícia Nohara para compreensão de como devem ser respondidas tais indagações:
a) Sim. Há diferenças.
Conceitos jurídicos indeterminados são conceitos vagos ou fluidos. São contrapostos aos conceitos numéricos ou determinados. Enquanto o uso de conceitos determinados nos pressupostos normativos dos textos normativos implica na sua vinculação, como, por exemplo, ocorre na aposentadoria compulsória, que é vinculada ao pressuposto de o servidor completar 75 anos; o uso de conceitos indeterminados pode (mas nem sempre ocorre assim) indicar a presença da discricionariedade, por exemplo, quando se exige que a nomeação do Ministro do STF dependa de um “notável saber jurídico” (conceito indeterminado).
Discricionariedade, para Di Pietro, é prerrogativa que tem a Administração Pública para optar dentre duas ou mais soluções, todas válidas perante o ordenamento jurídico, por aquela que, segundo critérios de conveniência e oportunidade, melhor atenda ao interesse público no caso concreto.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a discricionariedade acompanha a limitação (finitude) da mente humana que não consegue identificar de forma objetiva todas as medidas normativas idôneas para solucionar com clareza as múltiplas situações vivenciadas no cotidiano administrativo. O legislador tanto pode demonstrar deliberado intento em conceder tal discricionariedade, quando, por exemplo, determina: a Administração poderá conferir ao funcionário que atingir certo parâmetro de desempenho uma premiação, a depender das possibilidades, hipótese em que existe uma faculdade discricionária expressa (sem se cogitar em conceito indeterminado), bem como a discricionariedade pode ser extraída implicitamente da impossibilidade material de fixação de todas as condutas possíveis pela lei, seja porque ela contempla conceitos jurídicos indeterminados que, dependendo do caso concreto, podem conferir margem de opção interpretativa, seja porque a lei é ato de caráter genérico, sendo deste último fato extraído por Di Pietro o fundamento jurídico da discricionariedade.
Ainda, a utilização de conceito jurídico indeterminado pode, ou não, conferir discricionariedade, e o critério para essa verificação diz respeito à disciplina legal aliada à aptidão que os fatos possuem para comprovar a realidade normatizada.
É de Philip Heck a paradigmática imagem da lâmpada de leitura, em que entre o foco de luz e a escuridão há uma zona cinzenta. Trata-se de metáfora do núcleo e do halo conceitual de um conceito jurídico indeterminado. Em exposição de Engisch, quando se tem uma noção clara do conteúdo e extensão do conceito, está-se no domínio do núcleo conceitual (Begriffkern); onde as dúvidas começam inicia-se o halo do conceito (Begriffhof). Assim, a indeterminação do conceito se localiza entre a zona de certeza negativa e a zona de certeza positiva.
Por exemplo, se uma lei criasse um programa de incentivo à prática desportiva para “jovens”, sem que houvesse qualquer delimitação normativa de idade quanto ao termo utilizado, e um administrador reconhecesse benefícios legais a uma pessoa de vinte anos, com base na lei, o juiz não poderia substituir a discricionariedade administrativa com a invalidação do ato, uma vez que o caso concreto estaria na zona indeterminada; todavia, se o agente público estendesse o benefício a uma criança de cinco anos de idade ou a um idoso de setenta anos, nesses casos concretos não haveria problema na declaração de nulidade do ato, pois os pressupostos fáticos recairiam sobre zonas de certeza (mesmo que negativa), ainda que o termo jovem, quando não delimitado numericamente, seja um conceito indeterminado.
Outro exemplo: não se pode invalidar a nomeação de um Ministro do Supremo Tribunal Federal simplesmente porque ele não tem um título x ou y, entendido arbitrariamente como expressão de um “notável saber jurídico”, até porque há uma margem de opção política na escolha feita pelo Presidente, mas se o candidato for alguém sem qualquer formação jurídica, isto é, se for um médico, que não cursou direito, é possível o questionamento judicial de sua nomeação, pois o caso recai na zona de certeza negativa do conceito (isto é, há uma certeza de que um médico, sem formação jurídica, não possui notável saber…).
Então, nem sempre o conceito indeterminado é o parâmetro indiscutível de averiguação de discricionariedade, apesar dessas noções estarem associadas. A utilização de conceitos jurídicos indeterminados não gera automaticamente e em todos os contextos discricionariedade administrativa.
b) Sim. Há discricionariedade no âmbito do direito sancionador, desde que se compreenda os limites dessa afirmação.
Competência discricionária é termo que Seabra Fagundes utiliza com o sentido de discricionariedade, muito embora se diga que a competência em si do ato administrativo seja algo vinculado.
Ora, do ponto de vista do direito administrativo sancionador, dizer que o poder disciplinar é discricionário, deve ser, segundo Di Pietro, entendido em seus devidos termos: a Administração não tem liberdade de escolha entre punir e não punir, pois, tendo conhecimento de falta praticada por servidor, tem necessariamente que instaurar o procedimento adequado para sua apuração e, se for o caso, aplicar a pena cabível, não o fazendo pode incorrer até em condescendência criminosa ou em improbidade administrativa.
Assim, há discricionariedade no âmbito do direito administrativo sancionador, pois as leis que lidam com sanções em âmbito administrativo preveem inúmeras medidas sem especificar com maior clareza as circunstâncias precisas de sua aplicação, pois a tipicidade do Direito Administrativo é mais abrangente do que aquela exigida, por exemplo, no Direito Penal. Daí porque a autoridade competente para punir terá opção de escolher, diante das características do caso concreto: se irá apreender mercadoria, ou quando (em que momento) irá, se, ainda, irá interditar um estabelecimento etc.
Todavia, deve-se lembrar que discricionariedade não é sinônimo de arbítrio, pois a discricionariedade é a margem de opção de o agente agir dentro das possibilidades do ordenamento, e o arbítrio, por sua, vez é uma ação ilegal, porque com abuso ou violação à lei.
Assim, o direito sancionatório é discricionário porque nem sempre a sanção vem prevista com uma tipicidade restrita, o que implica, por parte do agente, margem de escolha para a aplicação da medida mais adequada ao caso concreto, mas não há, por outro lado, discricionariedade quanto à questão de punir ou não punir, pois se se configurarem as hipóteses legais, o agente é obrigado a instaurar o procedimento e realizar seus fins, desde que garanta contraditório e ampla defesa.
c) Não é possível o controle jurisdicional para a substituição da sanção aplicada, mas tão somente para a sua revisão, desde que fundamentada na ilegalidade (mas não na discricionariedade).
O Poder Judiciário não pode adentrar à discricionariedade da Administração e se substituir ao mérito de opções administrativas tidas como válidas diante do ordenamento jurídico, sob pena de violação da harmonia e independência que deve haver entre Poderes.
Mesmo na presença de discricionariedade, diante de uma série de situações fáticas diversificadas, há um controle de contornos (margens, moldura ou limites) da ação, propiciado pela verificação da obediência às determinações legais exigidas para o caso concreto.
Ressalte-se, outrossim, que a discricionariedade é limitada pelos princípios de Direito, pois no Estado Democrático de Direito eles são considerados normas integrantes do ordenamento e não meros expedientes de suprimento de lacunas nas regras.
Segundo exposição de Hely Lopes Meirelles, erro é considerar-se o ato discricionário imune à apreciação judicial, pois a Justiça poderá dizer sobre sua legitimidade e aos limites de opção do agente administrativo, ou seja, a conformidade da discricionariedade com a lei e com os princípios jurídicos. O que o Judiciário não pode é, no ato discricionário, substituir o discricionarismo do administrador pelo do juiz. Não pode, segundo Meirelles, invalidar opções administrativas ou substituir critérios técnicos por outros que repute mais convenientes ou oportunos, pois essa valoração é privativa da Administração, mas sempre pode proclamar e coibir os abusos da Administração.
Para saber mais sobre essa indagação, sobre se o Judiciário pode controlar um ato discricionário, clique e assista ao vídeo.