Liminar suspende 5 dispositivos da Reforma da Improbidade Administrativa

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Em decisão monocrática datada de 27 de dezembro de 2022, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, concedeu medida liminar para suspender dispositivos da Reforma da Improbidade, conforme alterações processadas pela Lei nº 14.230 à Lei nº 8.429/1992.

Trata-se de medida que ainda deve ser referendada pelo Plenário da Corte, tendo sido decidida na ADI 7236, promovida pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP.

Com a decisão foram suspensos os dispositivos, ad referendum do Plenário:

  1. Art. 1º, § 8º, segundo o qual: “não configura improbidade a ação ou omissão decorrente de divergência interpretativa da lei, baseada em jurisprudência, ainda que não pacificada, mesmo que venha a ser posteriormente prevalecente nas decisões dos órgãos de controle ou dos tribunais do Poder Judiciário.

Segundo a argumentação do Ministro Alexandre de Moraes, embora o propósito do legislador tenha sido proteger a boa-fé do gestor público que confia e adota orientações exaradas pelo Poder Judiciário a respeito da aplicação da lei, preservando-o de eventuais oscilações jurisprudenciais, o critério estabelecido no art. 1º, § 8º, da LIA, é visto por ele como excessivamente amplo e resulta em insegurança jurídica apta a esvaziar a efetividade da ação de improbidade administrativa.

  • Art. 12, § 1º, que dispõe que: “a sanção de perda da função pública, nas hipóteses dos incisos I e II do caput deste artigo, atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração, podendo o magistrado, na hipótese do inciso I do caput deste artigo, em caráter excepcional, estendê-la aos demais vínculos, consideradas as circunstâncias do caso e a gravidade da infração”.

De acordo com a fundamentação feita por Alexandre de Moraes, ao estabelecer que a aplicação da sanção de perda da função pública atinge apenas o vínculo de mesma qualidade e natureza que o agente detinha com o poder público no momento da prática do ato de improbidade, o art. 12, § 1º, da nova LIA, traça uma severa restrição ao mandamento constitucional de defesa da probidade administrativa, que impõe a perda de função pública como sanção pela prática de atos ímprobos independentemente da função ocupada no momento da condenação com trânsito em julgado.

Ademais, acrescenta que se trata de uma previsão desarrazoada, na medida em que sua incidência concreta pode eximir determinados agentes dos efeitos da sanção constitucionalmente devida simplesmente em razão da troca de função ou da eventual demora no julgamento da causa, o que pode decorrer, inclusive, do pleno e regular exercício do direito de defesa por parte do acusado.

Então, pode recair sobre o cargo atual que o agente ocupa.

  • Art. 12, § 10, cujo conteúdo é: “para efeitos de contagem do prazo da sanção de suspensão dos direitos políticos, computar-se-á retroativamente o intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória”.

De acordo como Ministro, considerando que os efeitos da detração estabelecida pela norma impugnada, cujo status é de lei ordinária, podem afetar o sancionamento adicional de inelegibilidade prevista na Lei Complementar 64/1990, reconheço o risco de violação ao art. 37, § 4º, da Constituição Federal, e aos princípios da vedação à proteção deficiente e ao retrocesso.

  • Art. 17-B, § 3º, segundo o qual: “para fins de apuração do valor do dano a ser ressarcido, deverá ser realizada a oitiva do Tribunal de Contas competente, que se manifestará, com indicação dos parâmetros utilizados, no prazo de 90 dias”.

No tocante ao fundamento da decisão, segundo Alexandre de Moraes, a norma aparenta condicionar o exercício da atividade-fim do Ministério Público à atuação da Corte de Contas, transmudando-a em uma espécie de ato complexo apto a interferir indevidamente na autonomia funcional constitucionalmente assegurada ao órgão ministerial. Conforme entende, há um desrespeito à plena autonomia do Ministério Público.

  • Art. 21, § 4º, que assim determina: “a absolvição criminal em ação que discuta os mesmos fatos, confirmada por decisão colegiada, impede o trâmite da ação da qual trata esta lei, havendo comunicação de todos os fundamentos de absolvição previstos no art. 386 do Código de Processo Penal”.

A comunicabilidade ampla pretendida pela norma questionada acabava por corroer a própria lógica constitucional da autonomia das instâncias, segundo o entendimento do Ministro Alexandre de Moraes.

Ademais, com a decisão o Ministro Alexandre de Moraes conferiu interpretação conforme o disposto no art. 23-C, da Lei 8.429/1992, incluído pela Lei 14.230/2021, no sentido de que os atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, poderão ser responsabilizados nos termos da Lei 9.096/1995, sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa.

Segundo alegou, considerado o caráter majoritariamente pecuniário das sanções previstas na Lei dos Partidos Políticos, a descaracterização das sanções mais graves estabelecidas pela Lei de Improbidade Administrativa tem o condão de violar os princípios da vedação à proteção insuficiente e, portanto, da proporcionalidade, pois há o extravasamento dos limites razoáveis da discricionariedade e consequente desrespeito ao princípio da arbitrariedade dos poderes públicos, que impede a criação ou desfazimento de obrigações desprovidas de justificação fática.

Em síntese, houve, na ADI 7236, alteração de seis pontos:

  • Art. 1º, § 8º: suspendendo o afastamento da improbidade em caso de divergência interpretativa dos Tribunais, sendo considerado um dispositivo amplo e que causa insegurança jurídica;
  • Art. 12, § 1º: suspendendo o dispositivo que previa que a perda da função atingiria apenas um vínculo de mesma qualidade e natureza, tendo sido considerada pelo Ministro desarrazoada previsão pois na troca de função ou eventual demora no julgamento da causa, eximiria determinados agentes;
  • Art. 12, § 10: suspendendo a contagem do prazo da suspensão dos direitos políticos feita de forma retroativa ao intervalo de tempo entre a decisão colegiada e o trânsito em julgado da sentença condenatória, considerando o Ministro tratar-se de previsões diversas: da suspensão de direitos políticos por improbidade e da inelegibilidade com base na LC 64/1990, fundamentado nos princípios de vedação à proteção deficiente e retrocesso;
  • Art. 17-B, § 3º, suspendendo o dispositivo que determinava, para fins de apuração do valor do dano a ser ressarcido, a prévia oitiva do Tribunal de Contas competente, sendo considerado pelo Ministro Alexandre de Moraes um dispositivo que interfere na autonomia do Ministério Público, ao condicionar sua atividade-fim à atuação do Tribunal de Contas;
  • Art. 21, § 4º, suspendendo a comunicabilidade da absolvição criminal por quaisquer dos fundamentos previstos no art. 386 do CPP, o que, segundo o Ministro Alexandre de Moraes corrói a lógica constitucional da autonomia das instâncias;  
  • Interpretação conforme o disposto no art. 23-C, incluído, no sentido de que os atos que ensejem enriquecimento ilícito, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de recursos públicos dos partidos políticos, ou de suas fundações, poderão ser responsabilizados nos termos da Lei 9.096/1995, sem prejuízo da incidência da Lei de Improbidade Administrativa, considerando Alexandre de Moraes que o tratamento diferenciado desrespeita o princípio da isonomia.

Comentário por Irene Patrícia Nohara:

Ainda haverá de ser questão enfrentada para referendo do Plenário do STF, sendo que alguns argumentos podem ser revisados, dado que, por exemplo, a legislação pode criar exceções à autonomia das instâncias, o que já era feito pelo art. 386 do Código de Processo Penal, mesmo que a Constituição mencione o “sem prejuízo da ação penal cabível”.

Assim, seria possível haver mais hipóteses de comunicabilidade previstas na lei, não sendo um dogma intransponível o da incomunicabilidade. Para uma análise mais detida sobre esse tema, há o escrito:  NOHARA, Irene Patrícia; FERNANDES, Erika Capella. Equilíbrio e segurança na responsabilização das diversas instâncias: improbidade reformada e desafios do poder sancionador ponderado. In: MOTTA, Fabrício; VIANA, Ismar (Coord.). Improbidade administrativa e Tribunais de Contas: as inovações da Lei nº 14.230/2021. Belo Horizonte: Fórum, 2022. p. 133-156.

A LINDB veio, neste ponto, evitar que haja uma desarrazoada multiplicidade de esferas de responsabilização em diversas instâncias, que não dialogam entre si, estabelecendo novos limites ao bis in idem, para evitar a excessiva sobreposição de sanções, enfatizando a necessidade de se calibrar um suposto dogma de autonomia de instâncias com a proporcionalidade, para que haja um poder sancionador ponderado.

Defender uma autonomia estanque entre instituições que não dialogam é fomentar uma torre de babel de incompreensões e de desarmonia, sendo que esta ausência de concertação, pode gerar insegurança, medo e um “empilhamento” de sanções que têm o condão de provocar excessos por via de um punitivismo desenfreado.

Também a questão de não se incorrer em improbidades em função de divergências interpretativas dos Tribunais, é efetivamente a causa maior de insegurança jurídica, conforme positivado na LINDB, em dispositivo suspenso (art. 1º, § 8º).

Concorda-se, no entanto, com o Ministro Alexandre de Moraes no sentido de que o art. 12, § 1º, que pretende atingir apenas um vínculo de mesma qualidade e natureza é uma previsão que gera impunidade e inefetividade aos fins visados pela Lei de Improbidade.

É necessário, pois, que o Plenário do Supremo se manifeste quanto à suspensão destes dispositivos, dando a interpretação colegiada mais segura para os aplicadores da Reforma da Improbidade, após a decisão monocrática analisada pelo Portal DireitoAdm.

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