A Análise de Impacto Regulatório (AIR) é um dos mais promissores instrumentos para qualificar com evidências as medidas e atos normativos de regulação estatal, representando, por conseguinte, uma forma de subsidiar as decisões regulatórias rumo ao estabelecimento de uma política pública setorial mais racional, coerente e calculada.
No Brasil, a experiência regulatória é mais recente, carecendo do desenvolvimento mais aprofundado de conhecimentos técnicos e econômicos testados em nosso contexto, basta que se tome por base o fato de que as agências hoje existentes são datadas, no geral, a partir da segunda metade da década de noventa.
Assim, não obstante ser a Analise de Impacto Regulatório (AIR) realidade em alguns setores, sendo prática adotada no mundo com maior intensidade, trata-se de exigência jurídica bastante recente, sendo emanada de dois diplomas normativos datados do ano de 2019:
1) a Lei nº 13.848/2019, que dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras, a qual previu, em seu art. 6º, a AIR; e
2) o art. 5º da Lei 13.874/2019, que dedica um capítulo para desdobrar a necessidade de realização do instrumento quando houver propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários de serviços prestados.
A Lei de Liberdade Econômica representa um diploma normativo polêmico na área jurídica. Ela procura desburocratizar exigências governamentais no sentido da intervenção estatal para que provoque uma maior liberdade e desenvolvimento de atividades econômicas.
No entanto, no caso da previsão da Análise de Impacto Regulatório (AIR) ocorre, curiosamente, o oposto, pois se trata de uma exigência que gera, na prática, acentuação e não diminuição da burocracia (no sentido mais rigoroso, isto é, weberiano da palavra), pois há, no fundo, o incremento dos custos e das exigências da regulação estatal, doravante submetida ao instrumento.
A Análise de Impacto Regulatório (AIR) deve conter, segundo o dispositivo do art. 5º da Lei de Liberdade Econômica, informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico. Trata-se de situação que, não obstante previsão de obrigatoriedade, ainda terá suas hipóteses obrigatórias determinadas em ato infralegal, sendo, portanto, possível que haja dispensa da exigência no sentido da regulamentação.
Há a tendência de utilização do instrumento da AIR não apenas para as regulações que são feitas por agências reguladoras, o que já era mais tradicional, dado que antes mesmo da obrigatoriedade legal, por meio da Lei nº 13.848/2019, as agências já tinham por praxe a realização de tais estudos, mas, doravante, após a Lei de Liberdade Econômica, serão necessárias também análises de impacto para qualificar decisões de atos normativos editados por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas aí as autarquias e fundações públicas.
Contudo, no caso das agências reguladoras, que são consideradas tecnicamente no Brasil como autarquias em regime especial, o § 4º do art. 6º da Lei nº 13.848/2019 determina que, nas hipóteses em que não for realizada a AIR, deverá ser disponibilizada, no mínimo, uma nota técnica ou um documento equivalente que tenha fundamentado a proposta da decisão.
Assim, se não houver a sua realização, exige a lei, pelo menos, que haja a edição de um documento similar à uma nota técnica para qualificar a decisão regulatória com uma análise mais acurada. Geralmente não se entende necessária a realização de uma Análise de Impacto Regulatório (AIR) quando há edição de atos de natureza administrativa, de adequação de textos normativos ou mesmo das regulações de baixo impacto ou quando houver urgência na tomada de decisões.
De acordo o art. 2º da definição contida na Resolução Normativa nº 798/2017 da ANEEL, entende-se por Análise de Impacto Regulatório (AIR) o “processo sistemático de análise baseado em evidências que busca avaliar, a partir da definição de um problema regulatório, os possíveis impactos das alternativas de ação disponíveis para o alcance dos objetivos pretendidos, tendo como finalidade orientar e subsidiar a tomada de decisão.”
Ressalte-se que não obstante a definição exposta, cada regulamento de ente poderá, especificadamente, determinar questões referentes ao conteúdo e à metodologia da Análise de Impacto Regulatório, sem prejuízo da possibilidade de haver uma regulamentação editada de forma mais geral.
A AIR objetiva orientar com dados, isto é, com evidências e estudos específicos que possibilitem conjecturar os possíveis impactos das alternativas de ações disponíveis. Objetiva-se, com a AIR, portanto, subsidiar uma tomada de decisão regulatória que consiga mensurar a aptidão das medidas sugeridas em relação aos fins pretendidos, para que haja uma edição de ato normativo mais racional e calculado.
Como ela compreende um instrumento que se presta a subsidiar, isto é, orientar uma decisão racional e ponderada a ser considerada pela Administração Pública, então, não é recomendável que a Análise de Impacto Regulatório (AIR) seja feita pro forma, isto é, meramente para legitimar uma decisão preestabelecida, pois nesta hipótese haverá dispêndio de tempo e de recursos de forma desnecessária.
Contudo, como há uma tendência para que a Administração tome sempre decisões amparadas em estudos e dados, em sendo corriqueiramente a regra, certamente que haverá um estímulo a que os órgãos e entes públicos comecem a qualificar cada vez mais o seu debate antes da edição de algum ato que tenha efeitos seja quanto ao interesse geral de agentes econômicos, seja no tocante aos impactos que sofrerão os usuários dos serviços prestados.
Assim, a Análise de Impacto Regulatório é constituída por uma série de atos encadeados dentro de uma estratégia. Envolve um procedimento que antecede e subsidia o processo de tomada de decisão por parte dos dirigentes seja das agências reguladoras ou dos órgãos da Administração Direta ou Indireta, possibilitando que haja a avaliação das opções possíveis tanto do ponto de vista fático, como do jurídico, de serem tomadas, diante de suas consequências, com o escopo de alcançar efetividade na atuação regulatória.
No caso das agências reguladoras, estabelece o art. 9º da Lei nº 13.848/2019 que serão objeto de consulta pública, previamente à tomada de decisão pelo conselho diretor ou pela diretoria colegiada, as minutas e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados. Ainda, determina o § 3º do art. 9º da Lei nº 13.848/2019, que a agência reguladora deverá disponibilizar, na sede e no respectivo sítio na internet, quando do início da consulta pública, o relatório de AIR, os estudos, os dados e o material técnico usados como fundamento para as propostas submetidas a consulta pública, ressaltadas aqueles de caráter sigiloso.
Apesar de a Lei de Liberdade Econômica não ter feito semelhante previsão da exigência da consulta, a conveniência da realização dela para os demais integrantes da Administração Pública Direta e Indireta que não sejam rigorosamente agência reguladora (autarquia em regime especial) pode ser extraída da disciplina da LINDB. Segundo o art. 29 da LINDB, acrescido pela Lei nº 13.655/2019, se estabelece que: “em qualquer órgão ou Poder, a edição de atos normativos por autoridade administrativa, salvo os de mera organização interna, poderá ser precedida de consulta pública para manifestação dos interessados, preferencialmente por meio eletrônico, a qual será considerada na decisão.”
Importante que a interlocução comunitária, que é proporcionada com a consulta pública, seja também feita com a disponibilização do Relatório de Análise de Impacto Regulatório (RAIR), pois assim os participantes poderão tomar contato com os estudos e dados levantados e tentar influenciar a decisão da agência com maior substrato e fundamento ou mesmo procurando acrescentar dados ou contraditar dados, com o afã de influenciar o conteúdo da futura regulação. No caso das agências reguladoras, a audiência acabou ficando, com base na Lei nº 13.848/2019, em caráter facultativo e a consulta, por sua vez, foi disciplinada com maior caráter de obrigatoriedade.
Boas Análises de Impacto Regulatório serão documentos capazes de qualificar e informar o debate público para que as pessoas tenham acesso ao “estado da arte” de determinada questão-problema que mereça regulação, compulsando, em tempo, as propostas que serão estruturadas de modo a influenciar o debate e quiçá o conteúdo da regulação.
Nesta perspectiva, a Análise de Impacto Regulatório, a depender de sua disponibilidade e abertura, pode ser um instrumento apto a combater assimetrias eventuais do mercado, indicando os caminhos para uma regulação mais equilibrada e transparente, como guia decisório para os dirigentes e autoridades públicas regulatórias.
De acordo com o art. 174 da Constituição, como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. O planejamento de regulação no mercado deve ser, portanto, mais indicativo do que determinante, já na esfera pública, por sua vez, este planejamento pode e deve ser mais incisivo para que haja a realização dos serviços com universalização, tarifas módicas e continuidade.
Nesta perspectiva, entende-se que a regulação que recai sobre o setor dos serviços públicos acaba representando, na prática, a execução e também formulação de uma política pública setorial. Trata-se inclusive de um desdobramento do regime decorrente da lei de concessões de serviços públicos que haja uma política tarifária que universalize e torne acessíveis os serviços, sem deixar de considerar a margem de lucratividade razoável do negócio para que se atraia para o ambiente das licitações players capazes de executar os serviços com fôlego e aderência em relação aos compromissos assumidos.
Assim, entende-se que a Análise de Impacto Regulatório será um instrumento apto a qualificar o debate sobre o conteúdo da regulação, sendo ainda um desdobramento de política pública setorial. A regulação do mercado, entendida como interferência estatal deliberada, deve procurar influenciar o comportamento da sociedade e do mercado, para isso deve ser uma ação política estratégica e, portanto, que se paute em evidências compulsando racionalmente as melhores alternativas dentro de um contexto específico.
Cada regulamento deve conter regras procedimentais sobre a elaboração do Relatório de Análise do Impacto Regulatório, bem como sobre seus requisitos. No caso da ANEEL, em exemplo do setor elétrico, o relatório contempla: (1) um sumário executivo, utilizando linguagem simples e acessível ao público em geral; (2) a identificação do problema regulatório que se quer solucionar, apresentando suas causas e extensão; (3) a identificação dos atores ou grupos afetados pelo problema regulatório identificado; (4) a identificação da base legal que se ampara a ação da agência no tema tratado; (5) as justificativas para a possível necessidade de intervenção da agência; (6) os objetivos pretendidos com a intervenção da agência; (7) a descrição das possíveis alternativas para o enfrentamento do problema regulatório identificado, considerando a opção de não ação e, sempre que possível, alternativas que não ensejam ato regulamentar; (8) exposição dos possíveis impactos das alternativas identificadas; (9) comparação das alternativas consideradas, apontando, justificadamente, a alternativa ou a combinação de alternativas que se mostra mais adequada para alcançar os objetivos pretendidos; (10) identificação de formas de acompanhamento e fiscalização dos resultados decorrentes do novo ato normativo; (11) identificação de eventuais alterações ou revogações de regulamentos em vigor em função da edição do novo ato normativo; (12) considerações referentes às informações, contribuições e manifestações recebidas para a elaboração da AIR em eventuais processos de participação pública ou outros processos de recebimento de subsídios de interessados no tema sob análise; e (13) prazo para início da vigência das alterações propostas.
Se o problema regulatório objeto da análise for demasiadamente complexo e as alternativas vislumbradas apresentarem significativos impactos, o relatório deverá promover também o mapeamento da experiência nacional e internacional no tratamento do problema regulatório sob análise; analisando a mensuração, sempre que possível quantitativa, dos possíveis impactos das alternativas de ação identificadas sobre os consumidores ou usuários dos serviços prestados e sobre os demais principais segmentos da sociedade afetados e mapeando os riscos envolvidos em cada uma das alternativas consideradas.
A metodologia a ser empregada poderá ser definida, justificadamente, de forma a se adequar ao caso concreto em conformidade com as características e a complexidade da matéria objeto da análise e das informações e dados disponíveis e deverá ser descrita de modo claro e objetivo.
Por conseguinte, é importante que um Relatório de Análise de Impacto Regulatório contenha:
a) um diagnóstico do problema regulatório enfrentado, identificando suas causas, extensão e o que se pretende solucionar com o ato normativo;
b) os atores e grupos afetados pela futura regulação;
c) a base legal para a ação normativa, para se averiguar tecnicamente os limites e possibilidades jurídicas sem que se afetem direitos existentes e amparados no ordenamento jurídico;
d) a justificativa para intervenção do Estado;
e) os objetivos da regulação;
f) a descrição e comparação de alternativas;
g) os possíveis impactos da regulação e
h) a forma de acompanhamento e de fiscalização dos resultados pretendidos.
Como um último requisito importante, é necessário que haja a criação de formas de acompanhamento para mensurar efetivamente os impactos de determinada regulação, para que se considere o grau de atingimento dos objetivos e resultados pretendidos com a edição do ato normativo ou da medida adotada, sendo que esses elementos são conjunturais, ou seja, variam em função da conjuntura e devem ser, portanto, constantemente monitorados para verificação de sua eficácia e da necessidade de sua permanência.
O monitoramento e a avaliação do instrumento deve ser pautado por indicadores, em função de diversos critérios, como, por exemplo, a eficiência, a entrega dos serviços, os resultados e os impactos no bem-estar dos consumidores e na execução dos indicadores desejados das políticas públicas setoriais, conforme a agenda ou as prioridades de problemas a serem enfrentados pelo Estado em sua ação de regulação, se ela acaba inibindo comportamentos prejudiciais ao bem estar comum e, por outro lado, se incentiva comportamentos que beneficiam a sociedade e o desenvolvimento das atividades econômicas.
A mensuração da eficiência regulatória de uma análise executada perpassa, portanto, por uma série de questionamentos, como, por exemplo: a definição do problema regulatório enfrentado, a justificativa e razoabilidade da decisão do governo de regular, sendo compulsado se a regulação é efetivamente a medida mais apta a enfrentar o problema, bem como se ela está conforme a base legal existente no ordenamento jurídico.
Em suma, a Análise de Impacto Regulatório é uma ferramenta, agora juridicamente obrigatória, que deve ser manejada de forma excelente para que órgãos e entes possam editar atos normativos que impactem setores determinados a partir de um processo baseado em evidências e que possibilite a ponderação dos efeitos das alternativas disponíveis para o alcance dos objetivos pretendidos.
Trata-se, portanto, de instrumento apto a qualificar o processo decisório de edição de atos normativos, tendo por escopo adotar medidas que não sejam excessivas ou irrazoáveis, ponderando as alternativas e procurando legitimar, por conseguinte, as menos gravosas às liberdades econômicas, dentro do dever de o Estado condicionar ou restringir o exercício dos direitos individuais tendo em vista a realização dos fins de bem-estar da sociedade. Além de regular com base no poder de polícia, a análise de impacto abarca também a regulação das concessões de serviços públicos.
São resultados comumente visados pela regulação: (a) preencher lacunas e falhas no mercado, seja por assimetria de informação ou externalidades a serem combatidas; (b) garantir o bem-estar dos usuários dos serviços, do ponto de vista do acesso a tarifas módicas e de acesso a serviços seguros, com qualidade e regularidade; (c) manter o retorno econômico razoável às concessionárias, para que elas continuem sendo estimuladas a atuarem de forma adequada no setor; (d) incentivar a inovação e o desenvolvimento da infraestrutura, seja com compartilhamento de rede ou incentivo à entrada de novos players para estimular a eficiência do mercado; e (e) fomentar a concorrência, para evitar monopólios e, portanto, garantir um acesso mais universalizado ao serviço.