Cidadania Cultural

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Cidadania Cultural

Há vários sentidos derivados da palavra cidadania, que significa o exercício de direitos e deveres da pessoa, isto é, do cidadão, na sociedade, que lhe permite participar e influenciar os destinos da vida política. A expressão originariamente deriva de civitas (cidade), mas depois adquiriu sentido mais abrangente.

Cidadania cultural diz respeito ao pleno exercício de direitos culturais, que se dividem, em um rol exemplificativo contido no art. 215 da Constituição, em direito às manifestações e bens culturais em suas múltiplas dimensões, acesso às fontes da cultura nacional e ao patrimônio cultural civilizatório nacional.

Cidadania cultural

Para assegurar o exercício da cidadania cultural, o Estado dispõe do Plano Nacional da Cultura, de duração plurianual, cujos objetivos constitucionais abrangem: a democratização do acesso aos bens de cultura, a valorização da diversidade étnica e regional, bem como a qualificação técnica para gestão da cultura.

Seja no exercício da cidadania política (o que se dá, por exemplo, mediante o sufrágio universal e o voto direto e secreto, com igual valor para todos), da cidadania econômica (mediante os direitos contratuais, de propriedade e do consumidor, num cenário de desenvolvimento equilibrado do país, que estimule a capacidade aquisitiva dos indivíduos), ou da cidadania cultural, enfatiza Fábio Konder Comparato que a “ideia-mestra da nova cidadania é a participação direta da pessoa humana e do povo no processo histórico de seu desenvolvimento e promoção social”.[1]

No artigo Cidadania Cultural no cenário contemporâneo, expõe-se que, em “Estados Democráticos de Direito, o Estado tem de exercer um papel intensivo de fomentador da cidadania cultural, sendo um desafio para o século XXI a realização de políticas culturais que preservem e reforcem as identidades dos distintos grupos, bem como as liberdades individuais, no tocante à expressão cultural”.[2]

São simultâneos no contexto pós-moderno a disseminação global de culturas transnacionais e o multiculturalismo étnico, por exemplo, das sociedades latino-americanas. Assim, a convivência em sociedades multiculturais deve ser guiada pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, que assegura às minorias étnicas o direito de fruir de suas próprias culturas – língua e religião, inclusive, mesmo em um contexto em que a maioria adote hábitos culturais distintos.

A governança pública, para uma operacionalização da dimensão sociopolítica, dada necessidade de gestão da cultura, deve não apenas reconhecer as representações culturais globalizadas, mas fomentar também representações multiculturais internas, a partir da efetivação de direitos culturais pela promoção da cidadania cultural, estabilizando pontos de conflito e evitando com que manifestações majoritárias dissolvam as minoritárias.

Assim, o constitucionalismo contemporâneo deve ser multicultural não apenas porque aceita as diferenças, mas porque as promove como mecanismo de desenvolvimento nacional expressamente constante da ordem social constitucionalmente estabelecida. Por conseguinte, as políticas públicas de fomento à cultura terão de ser adaptadas para permitir que os cidadãos legitimamente se expressem em formatos culturais que representem sua identidade, exteriorizando idiossincrasias que reflitam seu pertencimento à respectiva e particular realidade de interação social.

Pari passo, levando em consideração que as manifestações culturais que reportem às origens da nação brasileira são expressamente protegidas por disposição constitucional, o Estado terá de encontrar o equilíbrio para impedir o afloramento das expressões globalizadas não implique na predação extintiva das manifestações locais típicas, sendo uma tarefa árdua, que demanda cauteloso estudo, dada qualificação técnica da gestão da cultura.

Contudo, a cidadania cultural latino-americana é um campo fértil a estimular o chamado cosmopolitismo contemporâneo (Boaventura de Sousa Santos), em que se percebe que o nacionalismo não é a única forma de resistência aos chamados “colonialismos” ou, com as imposições excludentes da globalização, aos “neocolonialismos”, sendo, então, uma oportunidade de empoderar o que estava oculto, isto é, uma rica diversidade de expressões culturais que foram acobertadas por um projeto monocultural de nação, que passa a ser deixado de lado, num cenário contemporâneo, sendo substituído pela vertente plural, tendo em vista o apreço e o reconhecimento à diversidade, o que representa um grande potencial para se pensar alternativas.

Dentro deste contexto, a valorização da diversidade e do pluralismo propiciam o exercício da cidadania cultural, enquanto expressão dos direitos culturais. Ademais, o reconhecimento da riqueza de multiplicidades (que foram caladas e encobertas em um projeto monocultural de nação) é um caldo de cultura propício para a criação de novos direitos, dentro de uma perspectiva inclusiva, dado fenômeno da nomogênese, pois do exercício da cidadania há a possibilidade de conquista e de reconhecimento de outros direitos, conforme emergem manifestações e necessidades de distintos grupos que compõem a sociedade.

Em suma, o exercício da cidadania plena não se restringe à participação no sufrágio universal (ápice da cidadania política),  ou à capacidade aquisitiva dos cidadãos enquanto consumidores (conforme expressão da cidadania econômica), havendo, ainda, uma faceta cultural da cidadania relevante que impacta no senso de pertencimento dos indivíduos, assim como na qualidade de sua integração à sociedade, gerando consequências para a vida política e econômica, inclusive.

Para saber mais: NOHARA, Irene Patrícia; RODRIGUES, Daniel Scheiblich. Cidadania cultural no cenário contemporâneo: promoção das políticas culturais e constitucionalismo latino-americano. Interesse Público, Belo Horizonte, ano 20, n. 108, p. 57-79, mar./abr. 2018.

[1] COMPARATO, Fábio Konder. A nova cidadania. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n. 28-29, 1993.

[2] NOHARA, Irene Patrícia; RODRIGUES, Daniel Scheiblich. Cidadania cultural no cenário contemporâneo: promoção das políticas culturais e constitucionalismo latino-americano. Interesse Público, Belo Horizonte, ano 20, n. 108, p. 57, mar./abr. 2018.

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