CONTRATAÇÃO INTEGRADA E SEMI-INTEGRADA NA NOVA LEI DE LICITAÇÕES

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CONTRATAÇÃO INTEGRADA E SEMI-INTEGRADA

O escopo da atual abordagem é enfocar as oportunidades e os riscos do uso da contratação integrada e da contratação semi-integrada em função da nova disciplina. Apesar de a Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos) ser, assim como a anterior, uma lei maximalista, curiosamente, em alguns pontos ela acabou sendo omissa ou lacônica, como é o caso da indagação sobre as hipóteses de uso da contratação integrada, em que, apesar de a lei ter definido o que é contratação integrada, faltou prever, na toada da legislação anterior compilada, com foco no RDC e também na Lei das Estatais, de forma mais específica para quais circunstâncias ela será utilizada.

A contratação integrada já havia sido prevista no âmbito da Petrobrás (anterior Decreto 2.745/1998) anteriormente à sua positivação na Lei do RDC. No entanto, foi a partir da urgência da Copa que ela começou a ser disseminada de forma mais geral, tendo em vista a aprovação da medida provisória que determinava sua utilização para os jogos mundiais e na infraestrutura dos aeroportos das capitais de Estados distantes até 350 km das cidades sedes dos jogos, sendo precedida por sucessivas edições de medidas provisórias com o escopo de ampliar sua utilização.

Na época, era até visto como ‘antipática’ a postura de criticar a ampliação do uso do regime de contratação integrada, dado que ela era propagada como um sinônimo de grande sucesso em termos de modernização nas contratações de obra.

Contudo, a forma como foi sendo imposta por medidas provisórias, que muitas vezes tomavam carona em medidas que tratavam de outros assuntos, chegou a ser analisada e criticada pelo Supremo Tribunal Federal, sendo que, na atualidade, já existem muitos casos que infelizmente amargam experiências negativas de seu uso também no Brasil, em contratações que acabaram sendo mais caras, muitas das quais foram implicadas em investigações de corrupção e também não foram entregues, como que seria de se supor, no prazo hábil para o fito de alcançar o prazo dos jogos mundiais.

Note-se também que há experiências positivas, sendo importante que se conheça bem do regime para que sua utilização seja feita de forma adequada com as potencialidades do seu uso, evitando-se as distorções possíveis de acontecer, daí porque o enfoque das oportunidades e dos riscos.

Assim, para explicar bem o que é a contratação integrada é importante pressupor que ela procura superar um limite jurídico da anterior lei. Segundo a sistemática da Lei nº 8.666/93, quem projetava não executava a contratação… Havia, portanto, uma separação pronunciada entre a fase de “projetamento” em relação à fase de “execução” de uma obra.

Logo, pela sistemática anterior ao surgimento da contratação integrada, havia necessidade de licitar, como regra geral: (1) a contratação do projeto básico, sendo que ao autor deste projeto vencedor, que iria modelar a licitação da obra, era proibido, nos termos do art. 9º da anterior lei, de participar da execução da obra decorrente deste projeto, e (2) a execução da obra, a qual era viabilizada por uma outra licitação.

A Lei nº 8.666/93 apenas permitia, conforme § 1º do art. 9º, que houvesse a participação do autor do projeto ou da empresa responsável pela elaboração do projeto na licitação da obra ou na sua execução na qualidade de consultor ou de técnico, em funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento, exclusivamente a serviço da Administração interessada.

Ressalte-se, outrossim, que a presença do projeto básico era obrigatória na contratação de qualquer obra ou serviço nos termos do art. 7º, § 2º, I, da Lei nº 8.666/93, segundo o qual: “as obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: I – houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar de processo licitatório”.

Atualmente, o art. 46, § 1º, da Lei nº 14.133/2021 veda a realização de obras e serviços de engenharia sem o projeto executivo, sendo, nos termos do § 2º, do mesmo artigo, que a Administração é dispensada da elaboração do projeto básico nos casos de contratação integrada.

A presença do projeto básico na anterior lei geral de licitações e contrato era exigência necessária à especificação do objeto de modo gerar mais controle em relação ao que pretendia obter o Poder Público, com delimitação de precisão, circunstância e modo de realização.

Assim, havia um modelo fechado, sem muita flexibilidade para outras soluções inovadoras, em que o projeto básico orientava a que houvesse sobretudo um controle focado em obrigações de meio. Se houvesse qualquer erro de projetamento, este seria atribuível à Administração, resguardando-se, portanto, ao particular o direito ao aditamento contratual.

A contratação integrada surgiu para subverter essa separação, gerando mais flexibilidade para inovações diante do fato de que a fase de projetamento e de execução são ambas “delegadas”, em sistemática diferenciada, para a mesma empresa. Do ponto de vista da Administração, quando há esta “delegação” a vantagem seria repassar também à empresa a responsabilidade por quaisquer erros de projetamento vivenciados no momento da execução, pois o art. 9º, IV, da Lei nº 12.462/2011 (Lei do RDC) veda expressamente a celebração de termos aditivos aos contratos firmados em regime de contratação integrada.

Trata-se de regime de contratação, veiculada pelo RDC, inspirado no EPC (Engineering, Procurement and Construction Contract), em que o epecista, como uma espécie de empreiteiro, se incumbe de projetar, executar e entregar a obra integralmente pronta, equipada e testada… Assim, funciona como um sistema conhecido como turn-key (viragem da chave), em que a obra é entregue pronta e testada em condições de funcionamento.

A diferença entre a contratação integrada e um modelo de empreitada integral nestes moldes turn key é apenas que, na contratação integrada, o particular assume também a incumbência de elaboração do projeto base.

A rápida positivação por medida provisória do RDC (Regime Diferenciado de Contratação) vinha no encalço dos jogos mundiais sediados pelo Brasil, pois se alegava urgência devido à proximidade dos eventos esportivos para que houvesse a contratação de obras supostamente mais rápidas, com possibilidade de entrega, por exemplo, de estádios e aeroportos, em plenas condições de funcionamento.

Como a contratação é feita em “um pacote todo”, sendo uma contratação, portanto, por preço global, há um foco no resultado, em modelo associado ao ideário da new public management no sentido da performance based-accountability (prestação de contas com base no resultado). Assim, existe uma flexibilização maior, com um voto de confiança, sendo a ênfase de controle deslocada dos meios e procedimentos para os resultados.

Note-se que nos Estados Unidos, no geral, existem maior liberdade às equipes de licitações para agir sem tantas amarras procedimentais para alcançar inovações nas negociações.

A ideia é que o cronograma físico seja medido por etapas, conforme a finalização. O § 2º do inciso I do art. 9º da Lei do RDC previu que o instrumento convocatório da contratação integrada deve conter anteprojeto de engenharia para a caracterização da obra ou serviço, incluindo: (a) a demonstração e a justificativa do programa de necessidades, a visão global dos investimentos e as definições quanto ao nível de serviço desejado; (b) as condições de solidez, segurança, durabilidade e prazo de entrega; (c) a estética do projeto arquitetônico; e (d) os parâmetros de adequação ao interesse público, à economia na utilização, à facilidade na execução, aos impactos ambientais e à acessibilidade.

Ademais, foi estabelecido que o valor estimado da contratação será calculado com base nos valores praticados pelo mercado, nos valores pagos pela administração pública em serviços e obras similares e na avaliação do custo global da obra, aferida mediante orçamento sintético ou metodologia expedida ou paramétrica.

Assim, a possibilidade de licitação do todo, sem o projeto básico anterior, abre possiblidade de apresentação de soluções inovadoras, supostamente mais baratas e modernas. Ao se voltar para um modelo de contratação mais global, em que a Administração recebe “todo o pacote” em condições de operação, há um foco maior, conforme dito, ao controle de resultados.

Portanto, a ideia do RDC de ‘delegação’ para a inovação é uma oportunidade de a iniciativa privada solucionar melhor a proposta. A desvantagem para o contratado é que ele terá oportunidade de modelar com mais liberdade uma futura construção de obra, mas, ao mesmo tempo, como ele fica incumbido da projetação, qualquer erro ou falha do projeto básico de sua incumbência ficam sob sua responsabilidade, o que pode ser menos seguro do que o sistema anterior, o qual dava mais margem de atribuição de erro à Administração, com a garantia da celebração de termos aditivos (aditamentos) para diversas ocorrências de execução do projeto base.

Aliás, neste ponto a matriz de riscos acaba sendo um instrumento que contribui para que haja a melhor distribuição de riscos contratais, sendo elogiável o fato de que o art. 22, § 3º, determina que quando a contratação se referir a obras e serviços de grande vulto ou forem adotados os regimes de contratação integrada e semi-integrada o edital obrigatoriamente contemplará matriz de alocação de riscos entre contratante e contratado.

Atualmente, a Lei nº 14.133/2021 previu no art. 6º, XXXII, a seguinte definição da contratação integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver os projetos básicos e executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

Note-se que apesar da delegação do projeto básico, a lei determina que haja a elaboração de um anteprojeto.

Do ponto de vista de oportunidade, imaginando um cenário ideal, a contratação integrada é capaz de gerar contratações mais baratas ou mesmo com soluções técnicas superiores, pois as empresas que conhecem mais de perto a estrutura de mercado na qual atuam, podem oferecer propostas com metodologias melhores e vencer a licitação, tendo mais margem para embutir também sua lucratividade. Do ponto de vista da Administração, o fato de a empresa elaborar o projeto significa que os riscos de ocorrências de projetamento acabam sendo repassados ao contratado.

Assim, o licitante pode estudar propostas inovadoras de domínio mais restrito, inserindo sua lucratividade nisto, pois ele terá mais liberdade para modelar a futura contratação, e ainda gerar inovação, que é um dos objetivos novos estabelecidos no art. 11 da Lei nº 14.133/2021, na forma de solucionar as necessidades de contratação da Administração.

Ele assume um pacote de tarefas e também os riscos da modelagem da obra, pois tanto na contratação integrada, como na semi-integrada, conforme se verifica do teor do art. 133 da Lei nº 14.133/2021, é vedada alteração de valores contratuais, exceto para os casos de caso fortuito ou força maior; alterações determinadas pela Administração, desde que nos limites; necessidade de alterações do projeto em contratação semi-integrada, que faz parte da dinâmica deste regime; e evento superveniente alocado na matriz de risco de responsabilidade da Administração.

Aliás, o art. 22, § 3º, da Lei nº 14.133/2021 prevê a obrigatoriedade tanto na contratação integrada, como na semi-integrada, que o edital contemple matriz de alocação de riscos entre contratante e contratado.

Houve um tempo em que o parcelamento da licitação era a tônica central. Ainda existe na nova lei a previsão do princípio do parcelamento, mas, como as estruturas de mercado variam e o Poder Público acaba sendo sensível também a esta variabilidade para o aprimoramento de suas contratações, hoje a tendência é o do “pacotão” para as contratações, no geral. Uma prova disto é que os próprios órgãos de controle, não obstante respeitarem a padronização, também estão atentos a abrir brecha justificada para as vantagens da contratação de facilities em contratos nos quais há a reunião de uma série de serviços: conservação, limpeza, apoio administrativo, manutenções pequenas, o que permite a partir da concentração uma diminuição de custos, por exemplo, em contratações de gestão de condomínios, em que manter cada serviço isoladamente pode sair, a depender da circunstância, mais caro.

Mutatis mutandi, essa ideia de concentração está presente na contratação integrada, que se volta a obras e serviços de engenharia, pois há a concentração de escopos para prestações, com ganhos de economia a preços competitivos.

Contudo, conforme dito, como o foco se desloca da verificação e controle de itens unitários ou de quantidades unitárias para o alcance de resultados por preços globais e etapas de cumprimento de metas (performance based accountability), com a delegação da elaboração do projeto básico para a iniciativa privada, há uma flexibilização do controle dos meios, sendo condicionada à vedação de celebração de aditivos.

Esse sistema apresenta oportunidades e riscos. Oportunidade ao Poder Público de receber uma contratação com metodologias inovadoras, sendo repassados ao particular inúmeros riscos na execução, derivados do fato dele ter se comprometido com o projetamento. Contudo, do ponto de vista dos riscos no tocante ao controle, é importante advertir que a falta de um projeto básico prévio tem o potencial de propiciar futuras dificuldades de dimensionamento dos custos envolvidos na contratação, tornando, portanto, mais obscura a identificação de preços, o que a depender da índole daquela contratação pode gerar mais dificuldades na identificação de sobrepreços.

Ora, do ponto de vista mais profundo, não há soluções mágicas para os problemas. Cada solução apontada tem novos problemas, são “solublemas”, pois resolvem um ponto, mas criam novos gargalos.

Assim, o controle item a item, dentro da dinâmica tradicional do projeto básico sendo ofertado pela Administração, tem a possível desvantagem do aumento da burocracia, talvez de uma maior morosidade, deixava o particular mais amarrado no que é exigido, mas mais acomodado com a possibilidade dos aditivos, o que resguardava de forma mais segura sua lucratividade conforme previsões iniciais.

Já o sistema de delegação do projetamento permite com que haja mais disputas por soluções efetivamente mais econômicas, pois o mercado se mobiliza para procurar inovações, mas, ao mesmo tempo, ao levar o pacote todo com promessas de resultados, os particulares criativos aumentam suas chances de disputa caso apresentem alguma inovação mais vantajosa técnica e economicamente, mas se vinculam ao que prometem, sem chance de jogar para a conta do Poder Público os incidentes diferentes do por eles projetado, sendo, ainda, diminuídas as oportunidades de controle parcelado pois o controle se debruça sobre o todo, geralmente por etapas de cumprimento ou de forma periódica, havendo mais “oportunidades” (risco), portanto, de se ‘maquiar’ sobrepreços, pela flexibilização ofertada pelo regime, em jogos de planilhas (risco de fraudes)…

Então, a orientação do Tribunal de Contas é no sentido de que a Administração seja diligente na formulação do anteprojeto de engenharia e cuidadosa na estimação do cálculo do valor da contratação.

O risco de ausência de cuidado é que, diante da flexibilização de controle itemizado e em face da uma elaboração lacunosa de um anteprojeto a construtora fique mais livre para ‘maquiar’ informações, hipótese em que a contratação integrada tem potencial maior de encobrir sobrepreços.

Assim, somente a pesquisa empírica, de estudo casuístico, será capaz de concluir se, em determinados casos, a contratação integrada efetivamente é mais barata e melhor do que o sistema tradicional, em que a Administração assume para si o projetamento, mas também faz um controle mais criterioso com base no planejado, pois em alguns casos a contratação integrada, apesar de ter sido idealizada para ser mais barata, pode sair mais cara e também estimular a lucratividade com a diminuição da qualidade do objeto.

Não é só para a Administração que o regime pode ter vantagens e desvantagens, pois a vantagem competitiva de apresentar uma nova medodologia por parte do particular é associada também à assunção de inúmeros riscos, conforme visto.

Por esse motivo, a contratação semi-integrada (que foi novidade da Lei das Estatais) apresenta vantagens em termos de controle em relação à integrada, sendo também acrescido o ingrediente da inovação tendo em vista o fato de que nela não há delegação do projeto básico, mas apenas do projeto executivo, mas o ingrediente de inovação reside na possibilidade de a empresa alterar o projeto básico para melhor customizá-lo às necessidades da Administração. Então, ela não abre para a empresa confeccionar todo o projeto básico, mas, ao mesmo tempo, não o fecha o projeto a ponto de ser imutável, o que estimula, então, a que haja propostas de metodologias inovadoras ou de domínio restrito do mercado.

A contratação semi-integrada é definida no inciso XXXIII do artigo 6º da Lei nº 14.133/2021 de maneira muito similar à contratação integrada, com a ressalva, no entanto, de que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver o projeto executivo. Por conseguinte, o projeto executivo acaba sendo elaborado com fundamento em projeto básico já existente quando da licitação, mas que não é imutável, e, neste ponto, se abre a oportunidade de inovação.

Essa dinâmica contratual acaba tendo potencial de oferecer vantagens à Administração, pois ela parte do projeto básico, mas a possibilidade da alteração do projeto básico, por sua vez, abre a chance de o Poder Público receber soluções técnicas inovadoras, com metodologias diferenciadas ou de domínio restrito, que indiquem vantagens, sendo ainda vantajoso para o Estado se ele aceitar adaptar o projeto básico, com base em proposta apresentada pela empresa (que no sistema de licitação tradicional, era mais fechado), pois a obrigação de meio da empresa se transforma praticamente em uma obrigação de resultado, sendo que, nesta proposta apresentada pelo particular, se houver erro, o contratado avoca (chama para si) os riscos do erro decorrente desta alteração de projetamento.

Em síntese, o particular assume, então, a responsabilidade integral pelos riscos associados à alteração do projeto básico, havendo uma delegação de riscos neste tocante. Tendo em vista estas vantagens apontadas, a Lei das Estatais, que foi pioneira em positivar a contratação semi-integrada, determinou ser preferencial a adoção deste regime em relação aos demais, sendo que a adoção dos demais regimes deve realizada de forma justificada, conforme se percebe do teor do art. 42, § 4º, da Lei nº 13.303/2021.

Percebe-se que a vantagem da contratação semi-integrada é a possibilidade de ampliar a disputa na licitação a partir da potencialidade de alteração da solução apresentada no projeto básico, daí, em tese, ganha quem apresentar a ‘melhor solução’, sendo importante a motivação dos atos da comissão em relação à efetividade desta vantajosidade, conforme determina a LINDB, que agora é incorporada no bojo da Nova Lei de Licitações, de acordo com o art. 5º. Assim, a contratação semi-interada é capaz de resultar em inovações superiores ao antevisto no projeto básico, sem que haja delegação do projetamento.

São fatores que são levados em consideração para alteração do projeto básico na contratação semi-integrada, conforme § 5º do art. 46 da Lei nº 14.133/2021:

  • redução de custos;
  • aumento de qualidade;
  • redução do prazo de execução; ou
  • facilidade de manutenção ou operação.

No caso da redução de custos, trata-se de um elemento que deve ser apreciado com cuidado e com expertise, pois ele tem potencial, se mal estruturado, de diminuir a qualidade da contratação. Então, sempre importante observar a qualidade técnica da solução de adaptação do projeto básico sugerida.

Por esse motivo que não se pode de plano celebrar a ampliação do uso do regime, pois muitas Administrações acham o regime vantajoso, mas para o fito de simplesmente de delegar para a iniciativa privada o projetamento. Contudo, se há uma assimetria muito grande de informações, no tocante ao estado da arte das metodologias, também a Administração poderá cair no “conto do vigário” de determinado licitante pressupondo que a sua solução é qualitativamente superior, mas que no fundo representa um risco pela redução da qualidade da obra ou do serviço de engenharia.

Para essas circunstâncias, deve-se elogiar o fato de a lei nova (Lei nº 14.133/2021) ter previsto no art. 8º, § 4º, que em licitação que envolva bens ou serviços especiais cujo objeto não seja rotineiramente contratado pela Administração, poderá ser contratado, por prazo determinado, serviço de empresa ou de profissional especializado para assessorar agentes públicos responsáveis pela condução da licitação, para tentar reequilibrar o estado da arte e evitar que a Administração seja ludibriada por soluções técnicas que não agreguem vantagens técnicas e que, portanto, reduzam a qualidade da obra ou do serviço.

Um ponto que específico em que houve alteração da disciplina da contratação semi-integrada na Lei das Estatais em relação à Nova Lei de Licitações e Contratos foi o prazo. Assim, na Lei das Estatais o prazo de apresentação de proposta da contratação integrada é similar ao da contratação semi-integrada, sendo correspondente a 45 dias úteis, ao passo que a Lei nº 14.133/2021 prevê prazos distintos, sendo de 35 dias úteis para a contratação integrada, em contraponto a 60 dias úteis na semi-integrada.

Também houve o veto em relação ao dispositivo do projeto aprovado que exigia o limite de valor na celebração de contratação integrada e semi-integrada a 10 milhões de reais, que tomava por base o valor de contratação de parceria público-privada (PPP).

Por conseguinte, não há limite valorativo para adoção do regime. Quanto à justificativa do veto, houve a alegação de que a fixação de um patamar mínimo de valor em 10 milhões “contraria o interesse público na medida que restringe a utilização dos regimes de contratação integrada e semi-integrada para obras, serviços e fornecimentos de pequeno e médio valor, em prejuízo à eficiência na Administração, além do potencial aumento de custos com a realização de posteriores aditivos contratuais”.

Apesar do estímulo à disseminação do uso, com a ausência de limitação de valor, o ponto que causou maior perplexidade na nova disciplina foi, conforme dito logo no início, a ausência de previsão das hipóteses de uso da contratação integrada.

Trata-se de omissão que causa estranhamento, pois o art. 9º, caput, da Lei do RDC estabeleceu hipóteses de utilização de contratação integrada para circunstâncias técnica e economicamente justificadas, sendo exigido que o objeto envolva, pelo menos, uma das seguintes condições: inovação tecnológica ou técnica; metodologia diferente de execução; e acesso a tecnologias de domínio restrito do mercado. Também o art. 43, VI, da Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) a utiliza para objeto de natureza predominantemente intelectual ou inovação tecnológica do objeto licitado, execução com diferentes metodologias ou tecnologias de domínio restrito do mercado.

Mesmo com essa lacuna perigosa, para que não haja a disseminação irrestrita da adoção do regime de contratação integrada, é importante haja a sua utilização para as hipóteses recomendadas. Assim, deve haver uma justificativa técnica e econômica de sua utilização, conforme orientação inicial do Tribunal de Contas (que foi acoplada posteriormente, em 2014, à lei do RDC, sendo esta última de 2011), não sendo, portanto, recomendável que a Administração simplesmente se utilize do regime de contratação integrada para “se ver livre” do encargo de elaboração do projeto básico.

Nesta perspectiva, há o Acórdão 2.075/2018 do TCU no sentido de que se a metodologia já é conhecida, isto é, não se trata de indagação de domínio restrito ou desconhecido da Administração, é recomendável que ela licite o projeto básico ou faça uma contratação semi-integrada, em vez de ‘delegar’ para a empresa a elaboração do projeto básico.

Em suma, deve-se frisar que a vantagem da contratação integrada é acoplar inovação e não simplesmente repassar o encargo de projetamento ao particular. Apesar da surpreendente lacuna legal, com a ausência dos pressupostos correntes de utilização da contratação integrada, é importante que o horizonte de inovação, da execução com diferentes metodologias ou com tecnologias de domínio restrito não seja perdido de vista, sob pena da banalização do regime gerar futuramente problemas.

Neste sentido, o planejamento e o projetamento são centrais às boas licitações, pois como se diz no senso comum: pau que nasce torto não se endireita…

Portanto, não pode a Administração partir de um pressuposto de falta de recursos humanos para projetamento ou mesmo de recursos materiais para licitação do projeto básico como simples justificativa para realização de uma contratação integrada, pois, para que haja o correto dimensionamento e controle posterior, ao menos deve haver um anteprojeto de qualidade e também o desenho adequado da necessidade da Administração, pois a possibilidade de descontrole poderá ser futuramente prejudicial à qualidade da obra e também à identificação e combate às fraudes.

De acordo com o § 3º do art. 46 da Lei nº 14.133/2021, na contratação integrada, após a elaboração do projeto básico pelo contratado, o conjunto de desenhos, especificações, memoriais e cronograma físico-financeiro deverá ser submetido à aprovação da Administração.

A Administração terá, portanto, de ter expertise para aprovar o projeto básico que for oferecido pela empresa, sendo importante que não caia na sedução da redução da qualidade do objeto a pretexto de inovação. Assim, ela deve, conforme obrigação legal, ter aptidão para avaliar sua adequação em relação aos parâmetros definidos no edital e conformidade com as normas técnicas, vedadas alterações que reduzam a qualidade ou a vida útil do empreendimento.

Infelizmente com o sucateamento das condições ofertadas pelo Poder Público de permanência em muitos âmbitos dos melhores cérebros na área da engenharia a tendência é aumento da assimetria de informações entre Estado e Mercado. Percebe-se uma tendência neste sentido até pelo fato do trâmite da PEC 32/2020… que não busca valorizar as carreiras e ampliar os concursos, condição para atrair profissionais de alta performance…

Houve um tempo em o Poder Público realizava em profusão e excelentes condições concursos para atrair e valorizar engenheiros. Assim, grandes engenheiros almejavam construir carreira pública, tendo em vista a sua valorização, com bons planos de carreira, perspectivas de aposentadoria e incentivos, seja nas estatais ou no Poder Público, assim, o Estado já contava com uma mão de obra apta a bem avaliar de forma acurada os critérios técnicos dos projetos…

Atualmente, percebe-se que a Administração Pública federal ainda tem condições de atrair e manter excelentes profissionais, mas os Estados e sobretudo as Municipalidades são desafiadas pelas metas de corte, que redundam em perdas materiais e humanas…

Contudo, reitere-se que a contratação integrada não pode ser vista como pretexto para justificar falta de recursos necessários à estruturação do projeto, pois o anteprojeto deve ser adequado, sob pena de poder gerar obras sem a inovação em termos de qualidade. Ademais, conforme dito, se a Administração sabe qual a solução de projetamento, não é o caso da utilização da contratação integrada, pois ela este regime é recomendável para fomentar soluções técnicas inovadoras quando há assimetria de informações entre o Poder Público e o estado da arte de determinada prestação pela iniciativa privada.

Outra novidade prevista na nova lei foi a possibilidade de delegação dos processos de desapropriação feitos em nome da Administração. De acordo com o art. 46, § 4º, da Lei nº 14.133/2021, nos regimes de contratação integrada e semi-integrada, o edital e o contrato, sempre que for o caso, deverão prever as providências necessárias para a efetivação de desapropriação autorizada pelo poder público.

Enfim, há a necessidade de se calibrar o uso da contratação integrada para não resultar em sobrepreços na delegação feita à empresa, hipótese em que ela pode ficar mais cara e não oferecer solução melhor do ponto de vista técnico e econômico. Conforme exposto, a contratação semi-integrada, por sua vez, apresenta a vantagem de não delegar a sistemática de licitação, pois parte de projeto básico já existente, mas também não é inflexível em relação às soluções técnicas inovadoras, as quais poderão justificar uma mudança no projeto básico, hipótese em que a empresa assume os riscos da proposta ofertada.

Em suma, como a lei é recente, fica aberto aos órgãos de controle determinar se a jurisprudência anterior será também replicada na interpretação da nova lei ou se, diante da peculiar disciplina, haverá a delimitação de nova jurisprudência sobre o assunto. Entendo importante neste caso aproveitar o que existe anteriormente em termos jurisprudenciais (dos Tribunais de Contas) para que não haja abusos na utilização dos regimes e que para que eles sejam utilizados em hipóteses ajustadas para seus intrínsecos escopos de inovação em obras e serviços de engenharia.

Artigo escrito por Irene Patrícia Diom Nohara


Dispositivos da nova lei que disciplinam o tema das contratações integradas e semi-integrada:

Art. 6º Lei de Licitações e Contratos – Lei nº 14.133/2021

XXXII – contratação integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por

– elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo,

executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

XXXIII – contratação semi-integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por

– elaborar e desenvolver o projeto executivo,

executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto.

Art. 22. O edital poderá contemplar matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado, hipótese em que o cálculo do valor estimado da contratação poderá considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e com os riscos atribuídos ao contratado, de acordo com metodologia predefinida pelo ente federativo.

§ 1º A matriz de que trata o caput deste artigo deverá promover a alocação eficiente dos riscos de cada contrato e estabelecer a responsabilidade que caiba a cada parte contratante, bem como os mecanismos que afastem a ocorrência do sinistro e mitiguem os seus efeitos, caso este ocorra durante a execução contratual.

§ 2º O contrato deverá refletir a alocação realizada pela matriz de riscos, especialmente quanto:

I – às hipóteses de alteração para o restabelecimento da equação econômico-financeira do contrato nos casos em que o sinistro seja considerado na matriz de riscos como causa de desequilíbrio não suportada pela parte que pretenda o restabelecimento;

II – à possibilidade de resolução quando o sinistro majorar excessivamente ou impedir a continuidade da execução contratual;

III – à contratação de seguros obrigatórios previamente definidos no contrato, integrado o custo de contratação ao preço ofertado.

§ 3º Quando a contratação se referir a obras e serviços de grande vulto ou forem adotados os regimes de contratação integrada e semi-integrada, o edital obrigatoriamente contemplará matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado.

§ 4º Nas contratações integradas ou semi-integradas, os riscos decorrentes de fatos supervenientes à contratação associados à escolha da solução de projeto básico pelo contratado deverão ser alocados como de sua responsabilidade na matriz de riscos.

Art. 23

§ 5º No processo licitatório para contratação de obras e serviços de engenharia sob os regimes de contratação integrada ou semi-integrada, o valor estimado da contratação será calculado nos termos do § 2º deste artigo, acrescido ou não de parcela referente à remuneração do risco, e, sempre que necessário e o anteprojeto o permitir, a estimativa de preço será baseada em orçamento sintético, balizado em sistema de custo definido no inciso I do § 2º deste artigo, devendo a utilização de metodologia expedita ou paramétrica e de avaliação aproximada baseada em outras contratações similares ser reservada às frações do empreendimento não suficientemente detalhadas no anteprojeto.

Obs.

§ 2º No processo licitatório para contratação de obras e serviços de engenharia, conforme regulamento, o valor estimado, acrescido do percentual de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) de referência e dos Encargos Sociais (ES) cabíveis, será definido por meio da utilização de parâmetros na seguinte ordem:

I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente do Sistema de Custos Referenciais de Obras (Sicro), para serviços e obras de infraestrutura de transportes, ou do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices de Construção Civil (Sinapi), para as demais obras e serviços de engenharia;

II – utilização de dados de pesquisa publicada em mídia especializada, de tabela de referência formalmente aprovada pelo Poder Executivo federal e de sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenham a data e a hora de acesso;

III – contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente;

IV – pesquisa na base nacional de notas fiscais eletrônicas, na forma de regulamento.

Art. 46.Na execução indireta de obras e serviços de engenharia, são admitidos os seguintes regimes:

I – empreitada por preço unitário;

II – empreitada por preço global;

III – empreitada integral;

IV – contratação por tarefa;

V – contratação integrada;

VI – contratação semi-integrada;

VII – fornecimento e prestação de serviço associado.

§ 1º É vedada a realização de obras e serviços de engenharia sem projeto executivo, ressalvada a hipótese prevista no § 3º do art. 18 desta Lei.

§ 2º A Administração é dispensada da elaboração de projeto básico nos casos de contratação integrada, hipótese em que deverá ser elaborado anteprojeto de acordo com metodologia definida em ato do órgão competente, observados os requisitos estabelecidos no inciso XXIV do art. 6º desta Lei.

§ 3º Na contratação integrada, após a elaboração do projeto básico pelo contratado, o conjunto de desenhos, especificações, memoriais e cronograma físico-financeiro deverá ser submetido à aprovação da Administração, que avaliará sua adequação em relação aos parâmetros definidos no edital e conformidade com as normas técnicas, vedadas alterações que reduzam a qualidade ou a vida útil do empreendimento e mantida a responsabilidade integral do contratado pelos riscos associados ao projeto básico.

§ 4º Nos regimes de contratação integrada e semi-integrada, o edital e o contrato, sempre que for o caso, deverão prever as providências necessárias para a efetivação de desapropriação autorizada pelo poder público, bem como:

I – o responsável por cada fase do procedimento expropriatório;

II – a responsabilidade pelo pagamento das indenizações devidas;

III – a estimativa do valor a ser pago a título de indenização pelos bens expropriados, inclusive de custos correlatos;

IV – a distribuição objetiva de riscos entre as partes, incluído o risco pela diferença entre o custo da desapropriação e a estimativa de valor e pelos eventuais danos e prejuízos ocasionados por atraso na disponibilização dos bens expropriados;

V – em nome de quem deverá ser promovido o registro de imissão provisória na posse e o registro de propriedade dos bens a serem desapropriados.

§ 5º Na contratação semi-integrada, mediante prévia autorização da Administração, o projeto básico poderá ser alterado, desde que demonstrada a superioridade das inovações propostas pelo contratado em termos de redução de custos, de aumento da qualidade, de redução do prazo de execução ou de facilidade de manutenção ou operação, assumindo o contratado a responsabilidade integral pelos riscos associados à alteração do projeto básico.

§ 6º A execução de cada etapa será obrigatoriamente precedida da conclusão e da aprovação, pela autoridade competente, dos trabalhos relativos às etapas anteriores.

§ 7º (VETADO).

§ 8º (VETADO).

§ 9º Os regimes de execução a que se referem os incisos II, III, IV, V e VI do caput deste artigo serão licitados por preço global e adotarão sistemática de medição e pagamento associada à execução de etapas do cronograma físico-financeiro vinculadas ao cumprimento de metas de resultado, vedada a adoção de sistemática de remuneração orientada por preços unitários ou referenciada pela execução de quantidades de itens unitários.

Art. 56

§ 5º Nas licitações de obras ou serviços de engenharia, após o julgamento, o licitante vencedor deverá reelaborar e apresentar à Administração, por meio eletrônico, as planilhas com indicação dos quantitativos e dos custos unitários, bem como com detalhamento das Bonificações e Despesas Indiretas (BDI) e dos Encargos Sociais (ES), com os respectivos valores adequados ao valor final da proposta vencedora, admitida a utilização dos preços unitários, no caso de empreitada por preço global, empreitada integral, contratação semi-integrada e contratação integrada, exclusivamente para eventuais adequações indispensáveis no cronograma físico-financeiro e para balizar excepcional aditamento posterior do contrato.

Art. 133.Nas hipóteses em que for adotada a contratação integrada ou semi-integrada, é vedada a alteração dos valores contratuais, exceto nos seguintes casos:

I – para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior;

II – por necessidade de alteração do projeto ou das especificações para melhor adequação técnica aos objetivos da contratação, a pedido da Administração, desde que não decorrente de erros ou omissões por parte do contratado, observados os limites estabelecidos no art. 125 desta Lei;

III – por necessidade de alteração do projeto nas contratações semi-integradas, nos termos do § 5º do art. 46 desta Lei;

IV – por ocorrência de evento superveniente alocado na matriz de riscos como de responsabilidade da Administração.

Tinha sido vetado, mas o veto foi derrubado, que:

Art. 115

§ 4º Nas contratações de obras e serviços de engenharia, sempre que a responsabilidade pelo licenciamento ambiental for da Administração, a manifestação prévia ou licença prévia, quando cabíveis, deverão ser obtidas antes da divulgação do edital. A alegação do veto derrubado era no sentido de que a hipótese restringiria o uso da contratação integrada: pois o projeto seria condição para obter a licença prévia, mas ele estaria sendo elaborado pela futura contratada. 

Irene Nohara

Advogada parecerista. Livre-docente em Direito Administrativo (USP/2012), Doutora em Direito do Estado (USP/2006), Mestre em Direito do Estado (USP/2002) e graduação pela USP, com foco na área de direito público. Professora da pós-graduação stricto sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie (mestrado e doutorado). Autora de diversas obras jurídicas.

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