Administração Direta, Indireta e Terceiro Setor

A coleção é composta por 15 volumes, elaborada pela professora livre-docente e doutora pela USP, Irene Nohara, e aborda os principais temas de Direito Administrativo, com linguagem clara e objetiva, para quem precisa se atualizar na área, estudar para provas e realizar consultas dinâmicas.

Um guia seguro e objetivo.

O volume 10 da coleção trata dos seguintes assuntos:

10 – Administração Direta, Indireta e Terceiro Setor
10.1 Desconcentração e descentralização
10.2 Teoria do órgão
10.3 Administração Direta
10.4 Administração Indireta
10.4.1 Autarquia
10.4.2 Agências
10.4.2.1 Agências executivas
10.4.2.2 Agências reguladoras
10.4.3 Fundação
10.4.4 Empresa estatal
10.4.4.1 Empresa pública
10.4.4.2 Sociedade de economia mista
10.4.4.3 Distinções entre empresa pública e sociedade de economia mista
10.4.5 Consórcios públicos
10.5 Entidades paraestatais
10.5.1 Serviços sociais autônomos
10.5.2 Ordens e conselhos profissionais
10.5.3 Organizações sociais (OS)
10.5.4 Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)
10.5.5 Organização da Sociedade Civil

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OBS: O volume 1 não está sendo comercializado, pois é cortesia.

Artigo Pedro

A análise de impacto regulatório (AIR) consiste em um instrumento de controle da atividade regulatória do Estado, voltado à avaliação das medidas regulatórias a serem adotadas ou já adotadas pelos agentes reguladores, com base em evidências empíricas. Trata-se um instrumento inserido no contexto da crescente processualização da atividade normativa das agências reguladoras, que pretende atribuir racionalização e legitimação ao exercício da função regulatória.

De um modo geral, por muito tempo, as agências reguladoras tiveram sua atividade normativa pouco estruturada. Assim, o processo decisório que culminava na edição de uma norma acabava oscilando a depender da agência e, frequentemente, pecava pela ausência de uma fundamentação robusta ou pela baixa transparência em relação aos fundamentos que ensejaram a decisão do regulador.

A AIR surge com a intenção de corrigir essas distorções, buscando vincular as agências reguladoras a um nível satisfatório de fundamentação de seus atos normativos. Para isso, estabelece algumas etapas que devem preceder a decisão regulatória, a saber: (i) identificação do problema a ser endereçado; (ii) identificação dos atores ou grupos afetados pelo problema; (iii) identificação da base legal aplicável; (iv) definição dos objetivos pretendidos; (v) descrição das possíveis alternativas de ação; (vi) identificação dos possíveis impactos de cada alternativa; (vii) considerações recebidas em processos de participação social; (viii) experiência internacional; (ix) mensuração dos riscos associados a cada alternativa; (x) comparação das diferentes alternativas; e (xi) estratégia de implementação, monitoramento e fiscalização da alternativa escolhida.

A observância dessas etapas obriga o regulador a incorporar, em sua fundamentação, a avaliação de evidências empíricas. Considerando a crescente importância da regulação administrativa na ordem econômica, especialmente em um modelo de Estado gerencial, marcado pela delegação de competências a órgãos técnicos especializados (i.e., agências reguladoras), o robustecimento da fundamentação das decisões regulatórias surge como uma forma de agregar maior legitimidade e controle. Desta forma, embora as agências não possuam legitimidade democrática, trata-se de uma tentativa de atribui-las uma espécie de legitimidade argumentativa.

No contexto jurídico-positivo brasileiro, a realização de AIR variava conforme os setores regulados, uma vez que o instrumento não estava previsto na legislação. Segundo estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (IBRAC), a obrigatoriedade de AIR foi prevista na maior parte das normas internas das agências reguladoras federais entre 2012 e 2016, embora sem a desejável uniformização na forma de sua realização.

Um marco importante para garantir uma aplicação mais uniforme do instrumento foi a edição do Guia de AIR da Casa Civil da Presidência da República, em junho de 2018. O documento estabeleceu um padrão de procedimento a ser seguido para elaborar um Relatório de AIR adequado.

No entanto, a positivação da AIR só ocorreu com a promulgação da Lei nº 13.848/2019 (Lei das Agências Reguladoras). A norma materializou a tão esperada lei-quadro das agências reguladoras, uniformizando suas estruturas e procedimentos normativos, nos quais a realização de AIR constitui um pressuposto obrigatório para a edição de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados (art. 6º).

Posteriormente, a exigência de AIR foi regulamentada pelo Decreto nº 10.411/2020, que normatizou a adoção desse instrumento, bem como definiu as hipóteses de sua não aplicabilidade (art. 3º, §2º) e de dispensa (art. 4º). Apesar de sua importância e de seus acertos, o Decreto também pode ser objeto de críticas.

Em primeiro lugar, há um excesso de hipóteses de não aplicabilidade e dispensa de AIR, com notável grau de indeterminação. Em alguma medida, essas hipóteses fragilizam a exigência de AIR, ao relativizá-la em excesso, podendo reduzir a eficácia do instrumento.

Outra crítica que pode ser dirigida ao Decreto diz respeito à ausência de regulamentação da chamada Avaliação de Resultado Regulatório (ARR). Embora a ARR seja definida pela norma (art. 2º, III), não há maior detalhamento sobre o procedimento que deve ser observado para sua realização. Além disso, a obrigatoriedade desse instrumento, ao menos neste momento, foi limitada a atos normativos cuja AIR tenha sido dispensada (art. 12) e a um ato normativo de escolha da respectiva agência reguladora (art. 13, § 2º).

Por fim, mas não menos importante, vale ressaltar o ponto mais problemático do Decreto: a previsão de que a inobservância da AIR não constitui escusa válida para o descumprimento da norma editada, tampouco acarreta a sua invalidade (art. 21). Como se pode notar, o dispositivo esvazia as consequências do próprio descumprimento do Decreto.

Isso gera uma situação paradoxal: por um lado, há previsão legal de realização de AIR, por outro, o seu descumprimento não possui consequências para o regulador. Ainda que haja uma expectativa de que as agências adotem a AIR – até porque essa já era a tendência antes mesmo de sua positivação –, a ausência de consequências para a sua inobservância pode, no limite, torná-la um mero capricho.

Tendo em vista que a AIR busca conferir maior legitimidade à atividade normativa das agências reguladoras, mediante um aprimoramento de sua fundamentação e, consequentemente, de seu controle, não há como relativizar a sua obrigatoriedade. Em um Estado de Direito, a forma pela qual as decisões são tomadas é importante, pois agrega segurança jurídica e é uma garantia dos administrados em face de possíveis arbítrios da Administração. Nesse contexto, o processo normativo não deve ser visto como mera formalidade, mas como verdadeiro pressuposto de validade.

Agências Reguladoras

Após anos de trâmite, foi aprovado o projeto que se transformou na Lei Geral de Agências Reguladoras (Lei nº 13.848/2019). O projeto deriva do PLS 52/2013 e do Substitutivo da Câmara 10/2018. A nova lei trata de gestão, organização, processo decisório e controle social das Agências Reguladoras.

A proposta procurou mitigar a influência política na indicação dos dirigentes e criar mecanismos também para tentar diminuir a captura regulatória pelo setor regulado, isto é, a influência de empresas privadas no teor da regulação das agências, sendo aumentado, portanto, de 4 (em alguns casos) para 6 meses o período de quarentena dos ex-dirigentes.

O relator do projeto objetivou, ao ratificar essa retração na possibilidade de indicação política, blindar as agências reguladoras “da influência política naquilo que ela tem de ruim, a indicação de pessoas que não têm qualificação para a atividade”.  

Agências Reguladoras são autarquias em regime especial, sendo compostas por dirigentes que possuem mandato fixo e que criam determinações regulatórias que recaem sobre áreas específicas, como: Mineração, Telecomunicações, Energia Elétrica, Transportes, Aviação Civil, Saúde etc.

A nova lei procura atribuir maior autonomia financeira à agência reguladora, exigindo também determinações voltadas à transparência. Disciplina questões de governança, com a previsão de regras de compliance (exigindo que as agências elaborem e divulguem programa de integridade, com objetivo de promover a adoção de medidas e ações institucionais destinadas à prevenção, à detecção, à punição e à remediação de fraudes e atos de corrupção), estimulando a transparência e a gestão de riscos das agências. Reforça-se a exigência da presença de ouvidoria nas agências reguladoras.

Prevê-se um mandato (de presidente e de diretores/dirigentes) de cinco anos, não coincidentes, sendo vedada recondução – com exceção das situações de período de transição das novas regras, para garantia de segurança jurídica (assim, mantidos prazos de eventuais dirigentes nomeados antes da lei, permitida, ainda, uma recondução para os que estiverem no primeiro mandato), sendo regulamentada também a hipótese da perda de mandato do dirigente.

O projeto previa a seleção pública por lista tríplice a ser apresentada ao Presidente da República, mas esse ponto foi vetado pelo Presidente da República, sendo nas razões alegada a manutenção do sistema de livre indicação de dirigentes, sendo a lista tríplice (que é habitual em muitas das gestões da Administração) considerada violação da competência do Presidente.

O ponto fulcral da lei foi a regulamentação aguardada da Análise de Impacto Regulatório (AIR), procedimento imprescindível para criação de ato normativo que tenha impacto significativo (analisado e estimado) nos interesses de agentes econômicos, usuários e consumidores de serviços prestados pelo setor regulado. Serão analisados os efeitos da regulação conforme parâmetros a serem definidos em regulamento, que poderão prever hipóteses de sua dispensa, para alguns casos.

Após o AIR, a Diretoria ou o Conselho Diretor se manifestará sobre a adequação da proposta de ato normativo, isto é, a regulação, os objetivos visados, sendo indicados os impactos que se estimam da sua adoção. O AIR e a manifestação do órgão de cúpula da agência sobre ele serão tornados públicos, o que auxiliará o debate por ocasião das audiências públicas e/ou consulta populares.

A lei previu a consulta pública em caráter de obrigatoriedade para qualificar o processo decisório, já a audiência foi disciplinada como facultativa. Tal obrigatoriedade é encontrada no art. 9º da Lei nº 13.848/2019, que determina que serão objeto de consulta pública, previamente à tomada de decisão pelo conselho diretor ou pela diretoria colegiada, as minutas e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados

Agência. Trata-se de termo introduzido no Direito Administrativo, em função da globalização.

O modelo foi divulgado de forma mais ampla no Brasil a partir da Reforma Administrativa da década de 90. Teve inspiração nas agências norte-americanas, no entanto, nos Estados Unidos o significado dado ao termo é mais abrangente.

As agências norte-americanas exercem funções quase legislativas – editando normas – e quase judiciais – resolvendo determinados conflitos de interesses. Porém, o primeiro grupo de funções tem sido objeto de amplas contestações. A característica que torna as agências relevantes é sua maior autonomia em relação ao Poder Executivo, bem como a função regulatória – com especialização técnica. Entretanto, após muito debate, houve no Brasil a edição do Parecer AGU 51 que determina que não há autonomia para as agências fixarem conteúdo de políticas públicas, nem para extrapolar de suas competências.

Existem duas modalidades de agência bem delineadas no sistema brasileiro: as agências reguladoras e as agências executivas, sendo que estas últimas representam, na verdade, uma qualificação dada a ente já existente.

Desenvolvida de forma mais aprofundada nos Estados Unidos, a teoria da captura regulatória (capture theory) é a abordagem teórica que procura analisar “a submissão da atuação de agência regulatória aos interesses mais imediatos de empresas de setores regulados que, por concentrarem informações privilegiadas, exercem pressão e acabam determinando o conteúdo da regulação que sofrerão em detrimento de interesses coletivos”. In. NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2012. p. 559.

A captura do regulador pelos interesses do setor regulado é, portanto, uma distorção do funcionamento ideal da regulação, pois a agência reguladora deveria se manter equidistante entre os interesses empresariais e industriais e os interesses dos consumidores/sociedade civil.

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