Por que o Direito Administrativo não tem Código?

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Muitos não sabem qual a razão de o Direito Administrativo ser assunto que não foi submetido à codificação, assim como acontece com os direitos penal, civil e processual, havendo inclusive teses (minoritárias) no sentido de atribuir à lei federal de processo administrativo uma abrangência nacional.

Primeiramente, é importante que se esclareça que os direitos penal, civil e processual estão submetidos ao tratamento por códigos, porquanto o art. 22, I, da Constituição determina que ser competência privativa da União, legislar sobre: “direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”. Portanto, tais assuntos são de competência privativa da União; sendo, então, a legislação correspondente de caráter nacional. Trata-se de situação distinta do Direito Administrativo. Em assuntos, por exemplo, de servidores públicos, cada ente possui autonomia para estruturar suas regras, como corolário da forma de Estado federativa, que garante às unidades: auto-organização, autogoverno, auto-legislação e autoadministração.
Em São Paulo, por exemplo, os servidores públicos estatutários vinculados:

Note-se que mesmo havendo estatutos de distintos âmbitos, ainda assim não se pode dizer que o Direito Administrativo seja assistemático, pois, a Constituição, que é a Lei Maior (de hierarquia superior) contempla inúmeras regras, no caso dos servidores, a partir do art. 39, que garantem tratamento harmônico pelos entes federativos.

Também não se pode deixar de ressaltar que no atual estágio de desenvolvimento da hermenêutica jurídica, o fato de não haver um Código em nada diminui a cientificidade de dadas disciplinas, pois está ultrapassada a visão da codificação como meio apto a garantir segurança e completude na resolução das questões jurídicas.

Atualmente, não só os princípios foram alçados da categoria de fontes supletivas de lacunas nas regras ao status de normas jurídicas, mas também as regras se mostram, com a textura aberta da linguagem, sempre incompletas, haja vista a riqueza incontrastável da realidade em permanente mutação. Por isso, houve a superação da subsunção como operação suficiente na aplicação de regras e, por conseguinte, da ilusória completude e suficiência dos códigos.

Ademais, não são todas as matérias de Direito Administrativo que são de competência de cada ente federativo, podendo-se mencionar, entre outras, duas exceções:

  1. em matéria de desapropriação, que também é competência privativa da União, conforme art. 22, II. Logo, a “lei” de desapropriações é aplicada a todos os entes federativos; e
  2. em matéria de licitações e contratos, haja vista o inciso XXVII, do art. 22, determinar ser da União a competência para estabelecer normas gerais, ou seja, os demais entes federativos poderão apenas complementar as determinações genéricas já delimitadas pela União.

Existe, por fim, uma controvérsia bastante polêmica: quanto ao âmbito de aplicação da Lei de Processo Administrativo, havendo respeitosos pesquisadores que defendem seu caráter de Código/Nacional. Neste particular, é comum a alegação de que o art. 24, XI, determina ser assunto de legislação concorrente: o procedimento em matéria processual.

Não é este o nosso entendimento, conforme discorremos na obra Processo Administrativo: Lei nº 9.784/99. São Paulo: Atlas, 2009. páginas: 26 a 30, em coautoria com Thiago Marrara.

Primeiramente, apesar de ser mencionado o “processo” administrativo, não se trata de processo jurisdicional (submetido ao Poder Judiciário), mas sim o processo no sentido demodus operandi da Administração Pública, para assegurar também importantes garantias como contraditório e ampla defesa, mas: no âmbito interno da Administração Pública (pois o Brasil não tem contencioso administrativo, no sentido francês, de dualidade de jurisdição).

Tanto é assim, que, além da lei de processo administrativo federal (Lei nº 9.784/99), existem inúmeros diplomas estaduais que regulam o assunto, como, por exemplo: a Lei nº 14.184, de 31 de janeiro de 2002, do Estado de Minas Gerais; a Lei nº 7.692, de 1º de julho de 2002, do Estado do Mato Grosso; a Lei nº 13.800, de 18 de janeiro de 2001, de Goiás; a Lei nº 11.781, de 6 de junho de 2000, de Pernambuco; Lei nº 6161, de 26 de junho de 2000, de Alagoas; a Lei nº 2.794, de 6 de maio de 2003, do Estado do Amazonas e a Lei nº 418, de 15 de janeiro de 2004.

Em suma, seria, a nosso ver, violador à estrutura federativa desconsiderar os regramentos já editados pelos Estados-membros, aplicando aos procedimentos estaduais uma lei federal, sobretudo quando existem normas editadas para esta finalidade e que respeitam a autonomia conferida pela Constituição aos entes federativos.

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