Paira no ar um incômodo com a crise econômica que se anuncia no cenário mundial, principalmente na Europa e nos Estados Unidos. A pergunta que todos se fazem neste momento é: qual será o impacto dessa crise na economia nacional?
Para responder à pergunta, há diversas interpretações: desde os céticos a respeito da incolumidade da economia brasileira, que está em crescimento, tendo em vista o grau de integração global, até os que, como Rubens Ricupero, entendem que com a política econômica adequada é possível até “tirar proveito” da crise.
Segundo abordou recentemente Ricupero, em artigo denominado História e Crise, publicado na Folha de S. Paulo (Caderno Mundo, A14, de 22 de agosto de 2011), na última variedade maligna e prolongada de uma catástrofe econômica mundial, que se deu nos anos 30, com a Grande Depressão, a maioria dos países latino-americanos, à exceção da Nicarágua e Honduras, cresceu.
Em oito países, entre os quais: Brasil, México, Chile, Peru e Venezuela, o PIB aumentou em mais de 50% entre 1931/32 e 1939. Foi a época da industrialização das economias, sendo dado impulso ao mercado interno. O governo chegou a adotar a política de compra e queima de café, injetando dinheiro na economia, e com a situação dos países europeus, que se abalaram ainda mais na Segunda Guerra Mundial, houve o aumento da exportação, sendo, nos dados levantados, que a exceção local coube à Argentina, que era dependente da Inglaterra.
Conforme expõe, para a América Latina e o Brasil, em particular, “a verdadeira Grande Contração desabou sobre nós nos anos 80, e não nos 30”. Realmente, o Brasil se desenvolveu em meados do século XX, tendo o impulso sido dado por Getúlio Vargas, e daí em diante se transformou de país agrário para um polo industrializado e urbanizado. Formou-se um significativo mercado ao mesmo tempo que a classe média se beneficiou das políticas sociais que foram sendo moldadas a partir da Constituição de 1934.
Contudo, no final da década de setenta, após dois choques do petróleo, houve um movimento no sentido da redefinição do papel do Estado, tendo em vista o questionamento do modelo que sustentou a chamada “era de ouro” (Hobsbawm), isto é, os trinta anos de crescimento da economia capitalista no mundo, que se seguiram à Segunda Guerra Mundial.
A partir do Consenso de Washington, os organismos financeiros internacionais, como o FMI e o Banco Mundial, estabelecem um receituário de medidas impostas às economias periféricas como condição para o refinanciamento da dívida, bem como para a concessão de investimentos, sendo a principal tônica o ajuste fiscal do Estado.
Segundo Stiglitz, a austeridade fiscal, a privatização e a liberalização de mercado foram os três pilares das recomendações do Consenso de Washington durante as décadas de oitenta e noventa. Que a globalização poderia gerar muitos benefícios, isso era inquestionável; no entanto, acusa o Nobel que a forma como foi gerenciada, isto é, com a derrubada das barreiras protecionistas do mercado interno e com a desregulação provocou efeitos devastadores para muitos dos países em desenvolvimento, sobretudo às suas populações pobres.
No caso brasileiro, a política de ajuste fiscal foi associada ao movimento de Reforma Administrativa de meados da década de noventa. A partir das ideias contidas no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, propugnou-se a retração da atuação direta do Estado no domínio econômico, a privatização em sentido restrito e amplo, que também incluiu o repasse por delegação à iniciativa privada dos serviços públicos, e a desregulação, que se daria por meio da flexibilização do regime jurídico administrativo.
Durou pouco, felizmente, esse entusiasmo por um Estado mínimo, até porque a história já havia evidenciado que os mercados não se corrigem sozinhos em período de tempo relevante, sendo fundamental para o crescimento sustentável do País, que continue a seguir os rumos de políticas econômicas equitativas.
Agora, na iminência de uma crise mundial, cada vez mais o País deve ficar atento para os passos que dará. Se na década de noventa era sedutor para alguns o discurso que pregava liberdade às corporações econômicas, para que elas produzissem e gerassem empregos; essa nova forma de dominação que aumentou o protagonismo de organismos financeiros internacionais e do capital especulativo foi posta em xeque pela volta às medidas protecionistas em economias centrais, inclusive nos Estados Unidos.
Assim, o próprio Bresser Pereira, que capitaneou a Reforma Administrativa na década de noventa, anuncia: “a desmoralização da ideologia globalista que caracterizou os trinta anos neoliberais do capitalismo (1979-2008), uma ideologia que condenava o nacionalismo dos países em desenvolvimento enquanto os países ricos praticavam sem hesitação o seu próprio nacionalismo.” Logo, enquanto o nacionalismo dos países centrais não estava ameaçado, havia espaço para a crítica ao protecionismo, mas, com a iminência da crise, os países voltam a se importar com a defesa de sua soberania econômica.
Portanto, a tendência doravante será de o direito considerar também a legitimidade da proteção ao mercado nacional, da defesa das microempresas e empresas de pequeno porte, do incentivo à criação e à manutenção dos empregos e do desenvolvimento da empresa nacional, com o incremento às exportações. Em suma, está novamente em voga nos horizontes do Brasil a necessidade de se pensar o papel do Estado no desenvolvimento de uma política econômica que não crie dependência, caso o País queira tirar algum proveito da situação em vez de se afundar nela.
Artigo originalmente publicado no Jornal Enfoque Jurídico, de setembro de 2011.
CITAÇÃO: NOHARA, Irene Patrícia. Crise econômica e direito: horizontes para o Brasil. Enfoque Jurídico, São Paulo, set. 2010, p. 8.