Análise de Impacto Regulatório: conteúdo, objetivo e análise crítica de seu tratamento pelo Decreto nº 10.411/2020

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Artigo Pedro

A análise de impacto regulatório (AIR) consiste em um instrumento de controle da atividade regulatória do Estado, voltado à avaliação das medidas regulatórias a serem adotadas ou já adotadas pelos agentes reguladores, com base em evidências empíricas. Trata-se um instrumento inserido no contexto da crescente processualização da atividade normativa das agências reguladoras, que pretende atribuir racionalização e legitimação ao exercício da função regulatória.

De um modo geral, por muito tempo, as agências reguladoras tiveram sua atividade normativa pouco estruturada. Assim, o processo decisório que culminava na edição de uma norma acabava oscilando a depender da agência e, frequentemente, pecava pela ausência de uma fundamentação robusta ou pela baixa transparência em relação aos fundamentos que ensejaram a decisão do regulador.

A AIR surge com a intenção de corrigir essas distorções, buscando vincular as agências reguladoras a um nível satisfatório de fundamentação de seus atos normativos. Para isso, estabelece algumas etapas que devem preceder a decisão regulatória, a saber: (i) identificação do problema a ser endereçado; (ii) identificação dos atores ou grupos afetados pelo problema; (iii) identificação da base legal aplicável; (iv) definição dos objetivos pretendidos; (v) descrição das possíveis alternativas de ação; (vi) identificação dos possíveis impactos de cada alternativa; (vii) considerações recebidas em processos de participação social; (viii) experiência internacional; (ix) mensuração dos riscos associados a cada alternativa; (x) comparação das diferentes alternativas; e (xi) estratégia de implementação, monitoramento e fiscalização da alternativa escolhida.

A observância dessas etapas obriga o regulador a incorporar, em sua fundamentação, a avaliação de evidências empíricas. Considerando a crescente importância da regulação administrativa na ordem econômica, especialmente em um modelo de Estado gerencial, marcado pela delegação de competências a órgãos técnicos especializados (i.e., agências reguladoras), o robustecimento da fundamentação das decisões regulatórias surge como uma forma de agregar maior legitimidade e controle. Desta forma, embora as agências não possuam legitimidade democrática, trata-se de uma tentativa de atribui-las uma espécie de legitimidade argumentativa.

No contexto jurídico-positivo brasileiro, a realização de AIR variava conforme os setores regulados, uma vez que o instrumento não estava previsto na legislação. Segundo estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (IBRAC), a obrigatoriedade de AIR foi prevista na maior parte das normas internas das agências reguladoras federais entre 2012 e 2016, embora sem a desejável uniformização na forma de sua realização.

Um marco importante para garantir uma aplicação mais uniforme do instrumento foi a edição do Guia de AIR da Casa Civil da Presidência da República, em junho de 2018. O documento estabeleceu um padrão de procedimento a ser seguido para elaborar um Relatório de AIR adequado.

No entanto, a positivação da AIR só ocorreu com a promulgação da Lei nº 13.848/2019 (Lei das Agências Reguladoras). A norma materializou a tão esperada lei-quadro das agências reguladoras, uniformizando suas estruturas e procedimentos normativos, nos quais a realização de AIR constitui um pressuposto obrigatório para a edição de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados (art. 6º).

Posteriormente, a exigência de AIR foi regulamentada pelo Decreto nº 10.411/2020, que normatizou a adoção desse instrumento, bem como definiu as hipóteses de sua não aplicabilidade (art. 3º, §2º) e de dispensa (art. 4º). Apesar de sua importância e de seus acertos, o Decreto também pode ser objeto de críticas.

Em primeiro lugar, há um excesso de hipóteses de não aplicabilidade e dispensa de AIR, com notável grau de indeterminação. Em alguma medida, essas hipóteses fragilizam a exigência de AIR, ao relativizá-la em excesso, podendo reduzir a eficácia do instrumento.

Outra crítica que pode ser dirigida ao Decreto diz respeito à ausência de regulamentação da chamada Avaliação de Resultado Regulatório (ARR). Embora a ARR seja definida pela norma (art. 2º, III), não há maior detalhamento sobre o procedimento que deve ser observado para sua realização. Além disso, a obrigatoriedade desse instrumento, ao menos neste momento, foi limitada a atos normativos cuja AIR tenha sido dispensada (art. 12) e a um ato normativo de escolha da respectiva agência reguladora (art. 13, § 2º).

Por fim, mas não menos importante, vale ressaltar o ponto mais problemático do Decreto: a previsão de que a inobservância da AIR não constitui escusa válida para o descumprimento da norma editada, tampouco acarreta a sua invalidade (art. 21). Como se pode notar, o dispositivo esvazia as consequências do próprio descumprimento do Decreto.

Isso gera uma situação paradoxal: por um lado, há previsão legal de realização de AIR, por outro, o seu descumprimento não possui consequências para o regulador. Ainda que haja uma expectativa de que as agências adotem a AIR – até porque essa já era a tendência antes mesmo de sua positivação –, a ausência de consequências para a sua inobservância pode, no limite, torná-la um mero capricho.

Tendo em vista que a AIR busca conferir maior legitimidade à atividade normativa das agências reguladoras, mediante um aprimoramento de sua fundamentação e, consequentemente, de seu controle, não há como relativizar a sua obrigatoriedade. Em um Estado de Direito, a forma pela qual as decisões são tomadas é importante, pois agrega segurança jurídica e é uma garantia dos administrados em face de possíveis arbítrios da Administração. Nesse contexto, o processo normativo não deve ser visto como mera formalidade, mas como verdadeiro pressuposto de validade.

Pedro Henrique Espanhol de Farias

Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Ex-aluno da Escola de Formação Pública da Sociedade Brasileira de Direito Público e ex-intercambista na SciencesPo - Paris. Advogado em São Paulo.

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