Controle da Administração Pública

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Irene Patrícia Nohara

Um assunto que vem sofrendo muitas mudanças na atualidade é o controle da Administração. Controle envolve um conjunto de mecanismos que permitem a vigilância, a orientação e a correção da atuação administrativa quando ela se distancia das regras e dos princípios do ordenamento jurídico.

Compreende o controle externo, efetivado, via de regra, por outros Poderes, seja ele o Legislativo, que também tem a atribuição típica de fiscalizar (além de criar leis), o Executivo, nos casos e limites permitidos pelas normas constitucionais, seja o Judiciário, que não pode se furtar de julgar casos de violação ou ameaça de lesão a direito, conforme art. 5o, XXX, da Constituição; e o controle interno, que pode ser feito de ofício pelo poder de autotutela administrativa, que se relaciona com a fiscalização e a revisão dos próprios atos, ou de forma provocada, por meio de petições ou recursos dos administrados em geral, sendo, via de regra, no âmbito da hierarquia.

Assim, o controle da Administração Pública, quanto ao órgão que o executa, classifica-se em:

  • administrativo, quando é efetuado pela própria Administração Pública;
  • legislativo, que é o exercitável pelo Poder Legislativo, auxiliado pelo Tribunal de Contas, nos casos e limites previstos na Constituição Federal; e
  • judicial, levado a efeito apenas pela via judicial adequada, sendo que o Poder Judiciário é inerte.

O controle do Poder Judiciário sobre a Administração Pública incide apenas sobre a legalidade do ato administrativo. O conceito de legalidade no Estado Democrático de Direito deve ser entendido em seu sentido lato, abrangendo, portanto, tanto as regras como os princípios, pois

o controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade, mas por legalidade ou legitimidade se entende não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo (TJSP, RDA, 89/134).

O controle de mérito é efetuado pela Administração Pública, que pode revogar seus atos quando inconvenientes ou inoportunos, contanto que não atinja direitos adquiridos (cf. Súmula 473 do STF), ou em âmbito mais restrito pelo Poder Legislativo. A Lei nº 13.655/2018 acrescentou regras de interpretação ao direito público na LINDB, sendo uma tendência que haja o respeito à discricionariedade administrativa, para que o Judiciário não substitua decisões tomadas legitimamente pela Administração Pública por aquelas que reputar melhores.

O Enunciado nº 16 de Interpretação da LINDB (Encontro de Tiradentes IBDA/2019) estabelece que: “diante da indeterminação ou amplitude dos conceitos empregados pela lei, se, no caso concreto, a decisão do administrador mostrar-se razoável e conforme o direito, o controlador e o juiz devem respeitá-la, ainda que suas conclusões o preferências pudessem ser distintas caso estivessem no lugar do gestor”.

Quanto ao momento, o controle se divide em:

  • prévio ou preventivo, que ocorre antes da prática de ato ilegal, ou que viole interesse público;
  • concomitante, que se dá no momento da atuação administrativa; e
  • posterior, que envolve, por exemplo, o desfazimento, a confirmação, a revogação ou a convalidação de atos já praticados.

O modelo gerencial, que foi oficialmente introduzido no Direito Administrativo a partir da Reforma Administrativa da década de 90, procurou dar ênfase ao princípio da eficiência, sendo focado, a partir da influência da governança corporativa na governança pública, o controle de resultados.

Segundo o documento da Reforma, denominado Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, objetivou-se estimular a performance based accountability, isto é, a prestação de contas voltada a avaliar o desempenho no cumprimento das metas, em detrimento da exclusividade da rule based accountability (prestação de contas pelas regras e procedimentos).

O controle pelo desempenho está presente na ideia de contrato de gestão e nas novas modelagens de licitação, sobretudo na modalidade do RDC, em que há possibilidade de pagamento de remuneração variável conforme o desempenho.

Note-se, contudo, que a tendência é que também haja orientações prévias e concomitantes dos órgãos de controle, para que não se diga que atuam sempre só como “engenheiros de obra prontas”, expressão que:

geralmente é utilizada para criticar a situação em que o controle a posteriori se foca exclusivamente em apontar falhas e erros, sem procurar compreender as dificuldades práticas e obstáculos enfrentados pelo gestor no processo, sobretudo quando não há orientações claras e compreensão dos gargalos existentes em cada situação concreta e, em vez da prevenção, o controle acaba se focando exclusivamente na repressão e no sancionamento, especialmente se este é excessivo e injusto.[1]

1.1 Controle administrativo

Recursos administrativos

Quando o administrado se sente lesado por ato da Administração, ele pode se utilizar dos recursos administrativos como meio para que o Poder Público reexamine o seu ato. Os recursos administrativos fundamentam-se nos incisos XXXIV, a, e LV, do art. 5o da Constituição.

O primeiro inciso mencionado trata do direito de petição, independentemente do pagamento de taxas. Assim, não há necessidade de garantia de instância (depósito de quantia em dinheiro, como condição de obtenção da decisão) para a interposição do recurso administrativo.

Advirta-se que a jurisprudência do STJ (RMS 14.893/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, de 12.11.2002) e do STF (ADI 1.049, de 18.5.2005; RE 210.246, de 12.11.97 ou no RE 226.229-9/GO, Rel. Min. Ilmar Galvão, in DJ de 5.2.99) era no sentido de admitir a exigência de depósito prévio recursal, contudo, a partir da ADI no 1.976, de 28.3.2007, a Corte Suprema considerou ofensa ao contraditório e ao exercício do direito de petição a exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens e direitos como condição de admissibilidade de recurso administrativo.

Depois, de tanto que a questão foi analisada, foi alvo inclusive da edição da Súmula Vinculante 21, que determina ser inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo.

O inciso LV assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Os recursos administrativos podem ter efeito suspensivo ou devolutivo. O recurso com efeito suspensivo é aquele cuja interposição obsta a operatividade ou os efeitos do ato, que não tem como atingir a esfera jurídica do interessado. Ele só existe diante de expressa previsão legal. Logo, a regra é a ausência de efeito suspensivo, salvo expressa previsão legal em sentido diverso.

Somente depois da decisão acerca do recurso com efeito suspensivo, o ato restabelece a sua eficácia; portanto, a jurisprudência majoritária considera que do recurso interposto, mas ainda não decidido, não cabe o ajuizamento de ação judicial, por falta de interesse de agir. A interposição do recurso também suspende o prazo prescricional.

Efeito devolutivo é o que normalmente decorre dos recursos, ou seja, a maior parte dos recursos administrativos apenas devolve o exame da matéria à autoridade competente para decidir. No recurso sem efeito suspensivo, o ato produz efeitos a partir do momento em que se torna exequível.

A regra geral presente no art. 61 da Lei no 9.784/99 é no sentido da ausência de efeitos suspensivos, no entanto, determina o parágrafo único do artigo que tanto a autoridade recorrida como a imediatamente superior pode, de ofício ou a pedido, atribuir efeito suspensivo a recurso, desde que haja “justo receio de prejuízo de difícil ou incerta reparação decorrente da execução”.

São exemplos de recursos administrativos:

a)   a representação, que envolve a denúncia de irregularidades feita à Administração Pública por qualquer pessoa;

b)  a reclamação administrativa, que compreende o pedido de reconhecimento de direito ou de correção de ato que cause lesão ou ameaça de lesão a servidor ou particular, feita no prazo de um ano (cf. art. 6o do Decreto no 20.910) a contar da data do ato ou fato lesivo, se outro não tiver sido estabelecido em lei, e que suspende a prescrição a partir da entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos;

c)   o pedido de reconsideração, que é endereçado à própria autoridade que editou o ato contra o qual se insurge o recorrente;

d)  os recursos hierárquicos próprio e impróprio, sendo o primeiro dirigido à autoridade superior dentro do mesmo órgão em que o ato foi praticado, e o segundo, que depende de previsão legal expressa, chama-se impróprio porque é encaminhado à autoridade de outro órgão não pertencente à hierarquia do órgão que editou o ato, como, por exemplo, o recurso em face de ato de dirigentes de autarquias ou fundações, interposto no Ministério ao qual a entidade se vincula ou mesmo perante o Chefe do Executivo, diante de previsão legal que o admita; e

e)   a revisão, utilizada pelo servidor punido por decisão administrativa diante de fatos novos ou circunstâncias relevantes que comprovem a inadequação da sanção aplicada; e que não pode gerar o agravamento da punição.

Considera-se que pode haver revisão diante de novas provas ou fatos que justifiquem a possível inocência do punido ou a inadequação da punição aplicada. Mesmo falecido, a revisão pode ser requerida pela família para o restabelecimento de sua honra ou para corrigir eventuais erros administrativos que provoquem prejuízos financeiros à família.

Conforme dito, enquanto os recursos em geral, tendo em vista a busca da verdade real, não se submetem à vedação da reformatio in pejus, sendo possível, portanto, à Administração Pública agravar a situação do recorrente, excepcionalmente, no caso da revisão, que pode ser pleiteada a qualquer tempo, é proibido o agravamento da sanção. Tal efeito está explicitado no parágrafo único do art. 65 da Lei no 9.784/99: “da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção”.

Nos demais recursos, o órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida (art. 64 da Lei no 9.784/99). Contudo, para que haja respeito ao contraditório, a lei exige que se da decisão do recurso puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.

A Lei de Processo Administrativo determina que, via de regra, o recurso seja dirigido à autoridade que proferiu a decisão, a qual, se não o reconsiderar em cinco dias, o encaminhará à autoridade superior. Salvo disposição legal específica, conforme visto em processo administrativo, é de 10 dias o prazo para interposição de recurso administrativo, contado a partir da ciência ou divulgação oficial da decisão recorrida.

Quando a lei não fixar prazo diferente, o recurso administrativo deverá ser decidido em 30 dias, prorrogados por igual período, ante justificativa explícita, sendo contados a partir do recebimento dos autos pelo órgão competente.

O recurso não será conhecido quando interposto: fora do prazo; perante órgão incompetente; por quem não seja legitimado; ou após exaurida a esfera administrativa.

O não conhecimento do recurso não impede, no entanto, que a Administração reveja seus atos ilegais de ofício, com base no poder de autotutela, desde que não ocorrida a preclusão administrativa.

Têm legitimidade para recorrer, conforme determinação do art. 58 da Lei no 9.784/99, os titulares de direitos e interesses que forem parte no processo, aqueles cujos direitos ou interesses forem indiretamente afetados pela decisão recorrida, organizações e associações representativas, no tocante a interesses coletivos e cidadãos ou associações, quanto a direitos ou interesses difusos. Caso haja alegação pelo recorrente de violação a enunciado de súmula vinculante, cabe à autoridade explicitar as razões de aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.

1.2 Direito de petição aos Poderes Públicos

Teve sua origem com o right of petition, da Inglaterra. Consolidou-se no Bill of Rights de 1689, que permitia aos súditos peticionarem ao rei. Foi consagrado nas Declarações de Direitos, como a da Pensilvânia, de 1776, e no art. 3o da Constituição francesa de 1791.

Está previsto na alínea a, inciso XXXIV, do art. 5o da Constituição Federal, que assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, “o direito de petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. O direito em análise é essencialmente informal, pois independe do endereçamento preciso ao órgão competente, e o agente público que receber a petição escrita deve encaminhá-la à autoridade competente. Também não exige legitimidade ou interesse comprovado. Pode ser interposto por petição individual ou coletiva, subscrita por brasileiro ou estrangeiro, pessoa física ou jurídica, independentemente do pagamento de taxa.

As autoridades públicas devem examinar o conteúdo da petição e responder em prazo razoável, sob pena de violação de direito líquido e certo do peticionário. Há possibilidade, ainda, de responsabilização do servidor público omisso.

1.3 Controle legislativo

O Poder Legislativo tem por atribuição típica, além da elaboração das leis, a fiscalização do Poder Executivo. Esse controle fundamenta-se na teoria dos freios e contrapesos (checks and balances). Contudo, o controle do Legislativo sobre o Executivo somente é efetivado da forma e nos limites permitidos pela Constituição Federal, sob pena de violação do art. 2o da Carta Magna.

O controle do Poder Legislativo pode ser dividido em controle político e controle financeiro.

O controle político objetiva proteger os superiores interesses do Estado e da coletividade e recai tanto sobre aspectos de legalidade como sobre a conveniência e oportunidade das medidas do Executivo.

São exemplos deste tipo de controle: a possibilidade de apuração de irregularidades por meio das Comissões Parlamentares de Inquérito; a competência exclusiva do Congresso Nacional e do Senado para autorizar ou aprovar certos atos do Executivo, como os do art. 49, II, III, IV, e art. 52, II, IV, V e XI; a possibilidade de o Congresso Nacional sustar atos normativos do Executivo que exorbitem seu poder regulamentar ou os limites de delegação legislativa, conforme art. 49, V; e a convocação de Ministros de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente subordinados à Presidência da República para prestar informações sobre assunto previamente determinado, importando, de acordo com o art. 50, crime de responsabilidade a ausência sem justificação adequada.

O controle financeiro é aquele relacionado com a fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial da Administração Pública direta e indireta, ou de qualquer pessoa física ou jurídica que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos (art. 70, CF). Recai sobre aspectos de legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncia de receitas. Esse controle é exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas.

O controle externo executado com o auxílio do Tribunal de Contas, ao qual compete, de acordo com os incisos do art. 71 da Constituição:

  1. apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
  2.   julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
  3. apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, excetuadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões, ressalvadas as melhorias posteriores que não alterem o fundamento legal do ato concessório;
  4. realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso 2;
  5. fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo;
  6. fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;
  7. prestar as informações solicitadas pelo Congresso Nacional, por qualquer de suas Casas, ou por qualquer das respectivas Comissões, sobre a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial e sobre resultados de auditorias e inspeções realizadas;
  8. aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei;
  9. assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
  10. sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal; e
  11. representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.

1.4 Controle judicial

O Judiciário é responsável também por controlar a legalidade da conduta administrativa, não lhe sendo permitido adentrar ao mérito ou a conveniência e oportunidade do ato, conforme visto. Quando a Fazenda Pública está em juízo ela possui, todavia, inúmeras prerrogativas processuais, como o prazo em dobro em todas as suas manifestações processuais, conforme o art. 183 do CPC.

Ademais são instrumentos utilizados para o controle da Administração Pública pela via judicial: o habeas corpus, o habeas data, o mandado de segurança, o mandado de injunção, a ação popular, a ação civil pública e a ação de improbidade, que pode seguir o rito de ação civil pública.

1.5 Controle social da Administração Pública

Todo poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes. Assim, os agentes políticos são representantes que exercem um poder que é de titularidade do povo. Também os servidores públicos recebem poderes que devem ser exercidos tendo em vista a consecução de interesses coletivos.

O controle popular ou social é decorrência do primado da democracia.[2] Segundo expõe Eneida Desiree Salgado, a noção de democracia como fundamento do poder “é um dos pilares do Estado contemporâneo, ao lado da ideia de limitação do poder pelo Direito e da força normativa da Constituição como parâmetro de aferição para as demais regras jurídicas e para o agir do Poder Público”.[3]

Além do efetivo controle feito pela opinião pública, que acaba exercendo pressão no governo, há órgãos que possuem atribuições específicas para receber reclamações, como as ouvidorias, e mecanismos de participação ou influência do povo na condução dos assuntos políticos, como, por exemplo:

  • a ação popular;
  • as consultas públicas;
  • as audiências públicas;
  • o plebiscito; e
  • o referendo.

A Lei nº 9.784/99 prevê nos arts. 31 e 32 mecanismos como a consulta pública e a audiência popular para a discussão de processos que envolvam interesses coletivos. Geralmente os meios de interlocução comunitária, como a consulta pública, são considerados facultativos, Também o dispositivo do art. 29 da LINDB, inserido pela Lei nº 13.655/2019, previu a consulta pública em caráter facultativo. Mas, nada impede que haja procedimento específico determinando a sua obrigatoriedade.  

Assim, diferentemente da disciplina mais geral, a Lei nº 13.848/2019, que dispõe sobre gestão, organização, processo decisório e controle social das agências reguladoras, prevê, em seu art. 9º, a obrigatoriedade de consulta pública para alteração de atos normativos das agências reguladoras. Conforme previsão legal, serão objeto de consulta pública, previamente à tomada de decisão pelo conselho diretor ou pela diretoria colegiada, as minutas e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados.

Também na seara do planejamento, já é prática de inúmeros Municípios a realização dos orçamentos participativos, onde o povo irá discutir quais são as prioridades dos gastos orçamentários. Interessante mencionar que, de acordo com o § 2º do art. 74 da Constituição: “qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União”. Quando o cidadão denuncia essas irregularidades, ele estará, a partir do controle social da Administração, provocando um controle que será feito pelo Tribunal de Contas.

A denúncia deve ser veiculada em protocolo eletrônico do TCU, via formulário da ouvidoria, pessoalmente ou pela via postal, sendo necessário que a pessoa relate de forma pormenorizada quais são os fatos irregulares. Irregularidades que envolvam recursos estaduais e municipais, por sua vez, devem ser formuladas aos Tribunais de Contas estaduais ou municipais respectivos.

1.6 Controle anticorrupção e apuração da responsabilidade
das empresas

A corrupção tem impactos no desenvolvimento econômico de um país, pois, além de afugentar investimentos, representa uma concorrência desleal, que, por vezes, envolve desvios de recursos públicos e prejudica diversos setores. A Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) surgiu da percepção de que, para controlar a corrupção, seria necessário conjugar esforços[4] não apenas do governo, mas também das empresas, promovendo um ambiente de integridade que abarcasse o relacionamento da esfera pública com a esfera particular.

A Lei nº 12.846/2013, regulamentada pelo Decreto nº 8.420/2015, atende às exigências de combate à corrupção da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dispondo sobre a responsabilização objetiva, administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira,[5] sem prejuízo das outras sanções já existentes no sistema.

Há a responsabilidade objetiva administrativa da empresa, configurada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais envolvidas, mas os dirigentes e administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida de sua culpabilidade (subjetivamente).

Constituem atos lesivos à Administração Pública todos os praticados pelas pessoas jurídicas que atentem contra o patrimônio público, nacional ou estrangeiro, contra princípios da Administração ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, definidos como:

  • prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;
  • comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática de atos ilícitos previstos na lei;
  • comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;
  • diversas medidas que objetivam fraudar licitações e contratos; e
  • dificultar atividade de investigação ou fiscalização em órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação.

As empresas consideradas responsáveis pelos atos lesivos sujeitam-se, após regular processo administrativo e independentemente da obrigação de reparar integralmente o dano causado, às sanções: (1) de multa, no valor de um décimo por cento a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, que nunca será inferior à vantagem auferida, quando possível sua estimação; e (2) publicação extraordinária da decisão condenatória.

A publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma do extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores.

Conforme o art. 7º da lei, devem ser levados em consideração, na aplicação das sanções: (1) a gravidade da infração; (2) a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; (3) a consumação ou não da infração; (4) o grau de lesão ou perigo de lesão; (5) o efeito negativo produzido pela infração; (6) a situação econômica do infrator; (7) a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; (8) a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; e (9) o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados.

Os parâmetros dos mecanismos e procedimentos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta na pessoa jurídica foram regulamentados pelo Decreto nº 8.420/2015, compreendendo políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregulares e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

A Portaria CGU nº 909/2015 também especifica parâmetros a serem aplicados ao compliance, não podendo haver um programa de integridade meramente “de fachada”, ou seja, não será considerado, para fins de redução da multa aplicada, o programa de integridade meramente formal e que se mostre absolutamente ineficaz para mitigar o risco de ocorrência de atos lesivos da lei (cf. art. 5º, § 2º, da portaria). Caso o programa de integridade avaliado tenha sido criado após a ocorrência do ato lesivo objeto da apuração, também não será apto a comprovar sua eficácia para evitar ou corrigir atos de corrupção praticados contra a Administração Pública. O art. 42 do Decreto nº 8.420/2015, estabelece os parâmetros para se avaliar um programa de integridade efetivo.

A instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade da pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade,[6] tendo sido determinado inicialmente que, no âmbito do Poder Executivo federal, competiria à Controladoria-Geral da União (CGU) tanto a instauração dos processos administrativos de responsabilização das pessoas jurídicas, como a avocação de processos para exame de regularidade.

O processo administrativo para apuração da responsabilidade será conduzido por comissão designada pela autoridade instauradora e composta por dois ou mais servidores estáveis, os quais deverão concluí-lo em 180 dias, contados da data da publicação do ato de instituição da comissão. A comissão deve apresentar relatórios nos quais serão sugeridas, de forma motivada, se for o caso, as sanções a serem aplicadas.

De acordo com o art. 14 da Lei nº 12.846/2013, admite-se a desconsideração da personalidade jurídica sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos na lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa. Mas aqui o alerta de que a ideia do combate à corrupção não deve ser o de destruir as empresas, para tanto importante conhecer a abordagem da clássica obra de Walfrido Warde: o Espetáculo da Corrupção.

Ademais, a responsabilidade da pessoa jurídica na esfera administrativa não afasta a possibilidade de sua responsabilidade na esfera judicial, caso em que podem ser aplicadas, mediante ações de responsabilização com adoção do rito da Lei nº 7.347/85, as seguintes sanções: (1) perdimento dos bens, direitos e valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; (2) suspensão ou interdição parcial de suas atividades; (3) dissolução compulsória da pessoa jurídica; e (4) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras de um a cinco anos.

A dissolução compulsória ocorrerá caso seja comprovado ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; e ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.

A lei prevê também a criação de um cadastro nacional de empresas punidas, bem como o acordo de leniência com as empresas que cooperem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, caso da colaboração resulte a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

Fonte parcial: NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2019.


[1] MOTTA, Fabrício; NOHARA, Irene Patrícia. LINDB no Direito Público. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 25.

[2]    CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 888.

[3]    SALGADO, Eneida Desiree. Tijolo por tijolo em um desenho (quase) lógico: vinte anos da construção de um projeto democrático brasileiro. Curitiba: Dissertação/URPR, 2005. p. 9.

[4]    A responsabilidade social das empresas no combate à corrupção. Brasília: CGU/Ethos, 2009. p. 6.

[5]    Nas últimas duas décadas, como reflexo da intensificação da globalização, a comunidade internacional se abre ao debate da “corrupção transnacional”. Segundo expõe Larissa Ramina, o “aumento dos negócios transfronteiriços propiciou o surgimento frequente de situações nas quais funcionários públicos interagem com investidores internacionais em transações que envolvem montantes milionários, criando oportunidades para subornos”. São áreas sensíveis para a corrupção, conforme análise de Ramina: os controles aduaneiros, os controles de saúde pública, a solução de controvérsias, a ação legislativa relevante para os investimentos estrangeiros diretos e as compras governamentais. Cf. RAMINA, Larissa. A Convenção Interamericana contra a corrupção. Revista Direitos Fundamentais e Democracia, v. 6, p. 2, 2009.

[6]    De acordo com o art. 8º, § 1º, da Lei nº 12.846/13, a competência para instauração e julgamento do processo administrativo de apuração de responsabilidade da pessoa jurídica poderá ser delegada, vedada a subdelegação.

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