Decisão STF na MP 966: erro grosseiro, critérios científicos e técnicos e princípios da precaução e prevenção

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Em sessão plenária por videoconferência, o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou medida cautelar em sete ações de inconstitucionalidade da MP 966 referentes às ADIs 6.421, 6.422, 6.424, 6.425, 6.427, 6.248 e 6.431. A medida provisória dispõe sobre responsabilização de agentes públicos por ação e omissão, na esfera civil e administrativa, em atos relacionados com a pandemia da covid-19.

Os autores das ações acusaram a MP de ser uma MP da impunidade, de afetar o arcabouço de responsabilidade do Estado com flexibilização de regras, de medida encomendada para livrar a reponsabilidade de agentes públicos, de não ter densidade suficiente para uma norma, pois não se poderia excluir a culpa leve e de afrontar o texto do dispositivo constitucional de responsabilidade. José Levi, da AGU, defendeu a presença de relevância e urgência para a edição da medida, também enfatizou que o objeto da MP não é a responsabilização penal, mas sim as esferas civil e administrativa para amparar o “bom gestor de políticas públicas”.

O Supremo acatou parcialmente as medidas cautelares das ações no sentido de dar interpretação conforme a Constituição, para estabelecer que: 1. O erro grosseiro que enseje violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado o seja por inobservância: de normas e critérios científicos e técnicos; e dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção. 2. A Autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas em que baseará sua decisão tratem expressamente: das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades médicas e sanitárias, internacional ou nacionalmente reconhecidas; e da observância dos princípios constitucionais de precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos.

O voto do relator, Ministro Luís Roberto Barroso, foi seguido integralmente pelos Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Foram vencidos em parte Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia que apesar de terem acompanhado o relator em relação à tese, desejavam conceder extensão maior para suspender parcialmente a eficácia do art. 1º e afastar o alcance da norma aos atos de improbidade administrativa e os objetos de fiscalização dos tribunais de contas. Já Marco Aurélio, totalmente vencido, era favorável à suspensão total da eficácia da MP, por trazer uma restrição de responsabilidade não prevista na Constituição.

Conteúdo da Medida Provisória 966

Dispõe sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da COVID-19.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Art. 1º  Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:

I – enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia da covid-19; e

II – combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19.

§ 1º  A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará:

I – se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou

II – se houver conluio entre os agentes.

§ 2º  O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público.

Art. 2º  Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.

Art. 3º  Na aferição da ocorrência do erro grosseiro serão considerados:

I – os obstáculos e as dificuldades reais do agente público;

II – a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público;

III – a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;

IV – as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público; e

V – o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da covid-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas.

Art. 4º  Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 13 de maio 2020; 199º da Independência e 132º da República.

Comentários: Irene Patrícia Nohara

Muitos se questionaram sobre a edição da MP 966/2020 em meio ao cenário de exponencial contágio do COVID-19 no Brasil. Inicialmente, a reação foi de imaginar um “salvo conduto” em relação às futuras responsabilizações derivadas das medidas tomadas pelo governo em meio à pandemia.

Ocorre que, nem todos se atentaram para o fato de que o que a MP veicula não é propriamente uma novidade no cenário legislativo nacional, apesar de todas as críticas que efetivamente podem ser dirigidas à inação do governo federal em meio à Pandemia, situação que o Supremo Tribunal Federal havia determinando caber decretos locais e regionais que primem por medidas efetivas ou mesmo da ação equivocada, ao estimular o uso de terapêutica de eficácia duvidosa, a exemplo da cloroquina, cujos efeitos no tratamento da doença não são ainda comprovados.

Por mais que tenhamos críticas em relação ao desconcerto dos entes federativos, sobretudo diante das omissões do governo federal, aos equívocos que podem ser cometidos, importante frisar que a MP não veiculava novidade propriamente dita, dado que o art. 28 da LINDB, conforme alteração inserida pela Lei nº 13.655/2018, segundo a qual: “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.”

Note-se que o IBDA, em encontro com administrativistas ocorrido em Tiradentes, em 2019, editou o ENUNCIADO 20, interpretativo do art. 28 da LINDB: “20. O art. 28 da LINDB, para os casos por ele especificados (decisões e opiniões técnicas) disciplinou o § 6º do art. 37 da Constituição, passando a exigir dolo ou erro grosseiro (culpa grave) também para fins de responsabilização regressiva do agente público”.  

Poder-se ia, singelamente, alegar a impossibilidade de restrição da responsabilização constitucional. Mas existem, para diversas carreiras, restrições de tal natureza, a exemplo da disciplina legislativa da responsabilidade de juízes, conforme art. 49 da LOMAN, restringindo-a ao dolo e à fraude. Também art. 143 do CPC impõe que o juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando: I – no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; e II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte.

Como bem enfatizado por Rodrigo Valgas dos Santos, em brilhante tese de doutorado acerca das disfunções do controle externo sobre os agentes públicos, há diversos países que limitam também a responsabilidade de agentes públicos em atos cometidos com dolo ou culpa grave, a exemplo de: Portugal, Uruguai, Colômbia, Costa Rica, Espanha, Alemanha, Itália e França.

Ademais, o art. 12, § 1º, do Decreto nº 9.830/2019, que regulamenta a LINDB, especificou o sentido da expressão erro grosseiro, a partir do seguinte texto: “Considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”. Note-se que a redação do art. 2º da MP 966 é a exata cópia desta disciplina.

O § 2º do art. 12, por sua vez, do mesmo decreto, enfatiza que não será configurado dolo ou erro grosseiro do agente público se não restar comprovada, nos autos do processo de responsabilização, situação ou circunstância fática capaz de caracterizar o dolo ou o erro grosseiro. Sendo determinado no § 3º do mesmo artigo que o mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização, exceto se comprovado o dolo ou o erro grosseiro do agente público.

Já o art. 3º da MP 966 determina que: na aferição de ocorrência do erro grosseiro, serão considerados:

  1. os obstáculos e dificuldades reais do agente público, o que representa um eco do dispositivo contido no art. 22 caput da LINDB, com inserção feita pela Lei nº 13.655/2019, ao afirmar o conhecido primado da realidade – “na interpretação das normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados;
  2. a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público, conforme inclusive texto do § 4º do art. 12 do Decreto nº 9.830, decreto que regulamenta a LINDB, o qual determina que: “a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público serão consideradas em eventual responsabilização do agente público”;
  3. a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;
  4. as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público, que reproduz a redação do § 1º do art. 22 da LINDB, com inserção da Lei nº 13.655: “em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente; e
  5. o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da covid-19 e suas consequências, inclusive econômicas.

As novidades a serem levadas em consideração são: a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência e o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da covid-19 e suas consequências, inclusive econômicas.

São circunstâncias que efetivamente devem ser levadas em consideração se se considerar o contexto em que o gestor terá de decidir. Como o COVID-19 é relativamente recente, apesar de pertencer à família dos coronavírus (vírus que circulam entre animais domésticos e silvestres), não se sabe ainda ao certo como surgiu. Sabe-se que a sua origem é relacionada com a migração do vírus de uma espécie de hospedeiro de morcegos para seres humanos, assim como outras doenças foram provocadas pelo mesmo fenômeno de migração de distintas espécies de hospedeiros. Trata-se, em sentido lato, do resultado de uma intervenção humana no ambiente.

No entanto, com a situação de um mundo globalizado, os riscos de mutações das doenças e de seu contágio alargado são intensificados na sociedade de risco. Os riscos, nesse contexto, não respeitam fronteiras nacionais. O debate sobre o risco demanda uma abordagem sistêmica, sendo amparado num componente que diz respeito ao futuro que se deseja evitar. Há um prognóstico preventivo.

Entretanto, como os riscos da sociedade de risco são em grande parte invisíveis, há a necessidade de intermediação do discurso científico para que haja o seu devido reconhecimento. Não obstante imprescindível, o discurso científico também se baseia em conjecturas que não deixam de ter os seus elementos especulativos, movendo-se por meio de asserções baseadas em probabilidade.

Assim, mesmo diante de algumas certezas técnicas existentes, há também o influxo de questões econômicas, sociais, políticas e éticas que interferem no debate e no reconhecimento do risco, sobretudo quando se decide qual medida é melhor de ser adotada em variados contextos. No caso da Pandemia do COVID-19, as medidas de quarentena e isolamento, se dão principalmente pelo fato de que a expansão acelerada do número de casos faz com que possa ocorrer um colapso do sistema de saúde.

Para que a curva de casos não seja tão ascendente, o isolamento e a quarentena funcionariam como um fator de achatamento da curva para que o sistema de saúde possa ter leitos e condições materiais para atender os casos mais graves. O COVID-19 não tem apresentado um índice de letalidade tão elevado, se comparado com outras doenças, mas, como a quantidade de contaminações começou a ser exponencialmente aumentada, então, houve um alerta para a necessidade de o Estado tomar medidas necessárias para conter a velocidade de contaminação da população.

Ele provoca problemas respiratórios, o que demanda dos hospitais que tenham respiradores, entre outros equipamentos, para salvar a vida das pessoas acometidas pelos problemas respiratórios. Por conta dessa circunstância, os países do mundo, com orientação da Organização Mundial da Saúde, vêm adotando medidas necessárias para evitar que haja um colapso do sistema de saúde e que isso provoque um número grande de mortes.

Por outro lado, assusta a todos o fato de que ainda não há, no presente momento de elaboração desse escrito, vacina testada a ser aplicada na população mundial, e, para piorar, não há ainda tratamento eficaz para a doença, que tem potencial de matar um percentual dos seus acometidos, sobretudo pelo fato de ser patologia recente, que sofre mutações.

Diante da pandemia, do cenário de incerteza acerca de uma doença ainda não totalmente conhecida, há a necessidade de interlocução com a racionalidade científica em função de questões éticas e políticas. É absurdo deixar a população se contaminar, isto é, deixar com que a população mais vulnerável morra, pois se trata de uma opção inequivocamente associada com eugenia, de origem em raciocínio darwinista. Portanto, é mais ético que se opte pela adoção de medidas que poupem a vida e preservem a saúde das pessoas, ainda mais dos mais vulneráveis à doença. Daí surge a indagação: como fica a responsabilidade do Estado pelos danos associados às medidas adotadas?

Em primeiro lugar, deve-se diferenciar que o Estado tanto pode ser responsabilizado por sua ação como pela sua omissão. Diante da emergência da situação da Pandemia, como regra geral (com algumas exceções), é melhor que o Estado aja e eventualmente venha a ser questionado acerca da desproporção ou do acerto de sua medida, do que se quede inerte, o que pode ser considerado literalmente fatal para um grande número de pessoas.

Para evitar o fenômeno do apagão das canetas, derivado da Administração Pública do medo, em que, diante do excesso de responsabilizações, o gestor público não age, para não ter de responder, a Lei nº 13.655/2018 enfatizou dois expedientes interpretativos: o consequencialismo e o primado da realidade, que não são propriamente novidades na hermenêutica jurídica.

Consequencialismo implica que se deva evitar decisões injustas e desequilibradas. Aqui deve-se ressaltar não apenas o risco de decisão injusta e desequilibrada por parte do gestor, mas principalmente por parte do controle. Este não deve ser excessivamente criterioso e exigente num momento posterior, pois ele deve considerar que houve uma situação de emergência em que o gestor foi estimulado a agir da melhor forma dentro das condições e limitações circunstanciais/informacionais existentes no momento de sua ação.

O primado da realidade envolve, assim, a necessidade de se interpretar o ordenamento jurídico e as exigências da gestão pública também da perspectiva das dificuldades reais do gestor e das exigências das políticas públicas a seu cargo, sendo averiguadas, quando da regularização da situação, portanto, as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente.

No caso do COVID-19, por se tratar de um vírus ainda pouco conhecido, pois ele é relativamente novo, então, deve-se considerar que a decisão que se toma em um dia pode não ser mais, diante da alteração do “estado da arte” do assunto, a melhor num momento posterior. É cômodo fazer um controle a posteriori sem que se pondere qual a situação enfrentada, mas seria muito injusto e inadequado que o controle se comportasse, diante da veiculação de medidas de combate ao COVID-19, tal qual “engenheiro de obra pronta”, isto é, como juiz que se arvora de um teor exclusivamente repressivo de um sancionamento que desconsidera as dificuldades e os gargalos enfrentados quando da proliferação da Pandemia e sua curva ascendente de contágio.

Estamos, no momento, navegando numa estrada com neblina, pois não se sabe ainda muito sobre o COVID-19, pode ser que amanhã ou num futuro próximo as suposições de hoje sejam esclarecidas por novas descobertas que estão em rumo de ocorrer, que iluminem o horizonte das melhores e mais efetivas decisões, daí a necessidade de se considerar o momento da tomada de decisão do gestor, com os dados existentes, curva ascendente de contágio, e ações estratégicas diante do “estado da arte” do momento da ação, pautado na ausência de vacina testada e eficaz.

Portanto, em primeiro lugar: deve-se considerar que seja melhor e recomendável, inclusive por orientações que são emanadas da Organização Mundial da Saúde, que as autoridades públicas responsáveis, como regra geral, ajam, em vez de ficar omissas, pois a omissão neste caso pode, por consequência, dar ensejo a que os contaminados exponenciais do COVID-19 mais graves venham a se deparar com o colapso do sistema de saúde, incapaz de garantir um tratamento adequado para pessoas que necessitem de um leito em UTI e de ventiladores artificiais para os problemas respiratórios provocados pela doença.

Depois, a responsabilização do Estado pelas medidas deve considerar o primado da realidade, sendo que o gestor apenas será responsabilizado se houver erro grosseiro ou culpa grave ou dolo, conforme determina o art. 28 da LINDB, de acordo com a redação conferida pela Lei nº 13.655/2018, que é agora foi ajustado aos dispositivos da MP 966.

Não é possível tentar imputar responsabilidades ao Estado quando ele agiu da melhor forma, diante da situação excepcional existente, e articulando medidas que são relevantes para evitar o risco oferecido pela Pandemia.

Apesar de a responsabilidade dever ser calibrada em função do primado da realidade e do consequencialismo, numa gestão de riscos baseada em evidências científicas e informações estratégicas de saúde, não poderia o Poder Público pretender suspender garantias e liberdades pra além do necessário ao combate da Pandemia, apreender veículos, extrapolar dos mecanismos existentes a pretexto de combate ao COVID-19, com cortes inconstitucionais de remunerações, imposições arbitrárias e desmedidas, pois ainda está em vigor o regime constitucional, ainda que a situação seja grave e justifique medidas usadas em função da circunstância de emergência existente.

Note-se, no entanto, que quando o Supremo acatou as ações no sentido de dar interpretação conforme, estabelecendo que: (1) erro grosseiro que enseje violação ao direito à vida, à saúde ou ao meio ambiente equilibrado o é por inobservância: de normas e critérios científicos e técnicos; (2) e dos princípios constitucionais da precaução e da prevenção, pode-se concluir que ao invés de ter uma postura mais deferente em relação à discricionariedade de decisões, em vez de evitar o apagão das canetas, conforme espírito da LINDB, ele pode estar no fundo acirrando o controle, isto é, exigindo que haja observância de critérios científicos e técnicos, mesmo diante do contexto de incerteza e de incompletude de informações técnicas e científicas; e, principalmente, estimulando, reflexamente, uma inação por parte da Administração, pois o gestor na covid não possui acesso a todo “estado da arte” e deve, mesmo assim, para evitar o pior, isto é, decidir rapidamente numa situação nebulosa do ponto de vista do conhecimento.

Exige, ainda, o Supremo Tribunal Federal que a autoridade a quem compete decidir deve exigir que as opiniões técnicas, em que baseará sua decisão, tratem expressamente: das normas e critérios científicos e técnicos aplicáveis à matéria, tal como estabelecidos por organizações e entidades médicas e sanitárias, internacional ou nacionalmente reconhecidas; e da observância dos princípios constitucionais de precaução e da prevenção, sob pena de se tornarem corresponsáveis por eventuais violações a direitos.

Assim, se percebe que, apesar de muito comemorarem a decisão do Supremo, imaginando que ela, na prática, reforça o espírito da LINDB, no fundo ela pode fazer o contrário, isto é, reforçar a responsabilidade e exigir que se tenha “certeza do incerto”, sob o risco de corresponsabilização.

Isto pois, prevenção e precaução são termos que podem levar a distintos sentidos, tanto no sentido de prevenir para que a contaminação célere da doença não aumente o número de mortes, daí prevenir é ‘agir’, determinar medidas de isolamento, quarentena etc., o que seria o desejável, como também há uma interpretação de precaução, especialmente, no sentido de que, na dúvida, melhor se precaver e não agir…

Melhor se omitir do que correr o risco de errar, caso não haja tempo para um parecer que especifique o estado da arte científico e técnico e assegure que a medida não viola os princípios em tela – o que não seria desejável, como regra geral, nesse momento, conforme exposto…

Em síntese, é evidente que há questionamentos quanto à inação do governo federal, inclusive em forma de ação, diante da situação da pandemia, sendo mais um indício da despreocupação o conteúdo do vídeo veiculado mais recentemente pelo Supremo, em que em reunião ministerial, já com a presença do seu segundo Ministro da Saúde noemado, que depois se exonerou, se discutia inúmeros assuntos mas lamentavelmente não a premência de ações relacionadas com o combate à pandemia, sendo lamentável que o Chefe do Executivo Federal aposte em receitar cloroquina, não apenas diante das inconclusões existentes, mas  já diante de riscos graves de seu uso para tal fim, conforme teraupêutica abandonada pelo mundo, mas não pelo Brasil, hipótese (específica) em que suspender a ação, diante das novas evidências, deveria ser a medida mais adequada sim, diante da prevenção.

Mas, a MP 966 transcende essa questão específica, pois ela representa apenas o calibramento de determinantes da LINDB aplicadas à situação da pandemia. Rigorosamente falando, a LINDB já veicularia critérios que seriam aptos a levar o intérprete autorizado a uma interpretação mais ponderada e consequencial, com análise circunstancial, conforme visto.

Outrossim, nem todos se atentaram para o fato de que a decisão do Supremo acerca da MP 966, a depender da forma como os critérios levantados pelo Supremo (quase que como um legislador também…) forem utilizados, a presença desses parâmetros (técnico, científico e dos princípios da precaução e prevenção) pode representar um freio da segurança que se pretendia supostamente garantir ao gestor para ser estimulado a agir em nome da vida e da saúde pública num cenário indefinido da COVID-19, pois se for para observar rigorosamente uma precaução e prevenção, há um possível convite à inação… conforme se reitera aqui… o que não seria, em inúmeros casos, nada desejável! Mais um “solublema” de interpretação…

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