Enunciados de Improbidade da II Jornada de Pirenópolis – Mudanças na Lei de Improbidade

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Os Enunciados de Improbidade advêm da II Jornada realizada pelo IBDA, em 26 de maio de 2023, na cidade de Pirenópolis, que versou sobre as Mudanças na Lei de Improbidade Administrativa (LIA, Lei nº 8.429/1992, alterada pela Lei nº 14.230/2021). Trata-se de evento realizado pelo IBDA, com a coordenação geral do IDAG (Instituto de Direito Administrativo de Goiás) e o labor conjunto das sete coordenações científicas.

As proposições de enunciado foram recebidas até 24 de março de 2023, tendo sido discutidas em sete comissões temáticas instituídas, em função dos seguintes assuntos: atos de improbidade administrativa, regime do acordo de não persecução cível, direito intertemporal, sanções e dosimetria, aspectos processuais relevantes, novo regime de indisponibilidade de bens e o STF e as recentes decisões no novo regime da LIA. Deste filtro, depois de discutidas e aprovadas em cada comissão, foram votadas na Plenária presencial em Pirenópolis, cidade do Estado de Goiás. Outrossim, após aprovação, foram submetidos à revisão final por comissão que contou, dentre outros, com a jurista Maria Sylvia Zanella Di Pietro.

A Coordenação Geral do evento foi constituída pelos seguintes membros: Cristiana Fortini, Fabrício Motta (idealizador das Jornadas, tendo sido responsável por dar o pontapé inicial, com as I Jornadas de Tiradentes, sobre a LINDB, ocorrida em 2019), Heloísa Monteiro e Rodrigo Valgas.

Dos grupos temáticos, em função dos assuntos, os coordenadores responsáveis foram:

GT 1 – Atos de Improbidade Administrativa: inovações do art. 9°, 10 e 11, Coordenadores Científicos: Luciano Ferraz (MG), Marcio Cammarosano (SP) e Maísa de Castro Sousa (GO)

GT 2 – Regime do Acordo de Não Persecução Cível – ANPC, Coordenadores Científicos: José Roberto Pimenta Oliveira (SP), Ismar Viana (SE) e Rafael Wallbach (SP)

GT 3 – Improbidade e Direito Intertemporal – Coordenadores Científicos: Bruno Belém (GO), Maria Fernanda Pires (MG) e Adriana Schier (PR).

GT 4 – Sanções e Dosimetria – Coordenadores Científicos: Rodrigo Valgas (SC), Flavio Unes (DF) e Bruna Piza (GO)

GT 5 – Aspectos Processuais Relevantes – Coordenadores Científicos: Raquel Urbano (MG), Daiesse Jaala (SP), Juscimar (GO)

GT 6 – Novo Regime da Indisponibilidade de bens – Coordenadores Científicos: Francisco Zardo (PR), Fernanda Fritoli (SP) e Patricia Carrijo (GO).

GT 7 – STF e as recentes decisões no novo regime da LIA: limites e possibilidades – Coordenadores Científicos: Vanice do Valle (RJ), Irene Nohara (SP) e Ricardo Schneider (AL).

O encontro teve por produto 39 Enunciados que se reproduzem abaixo:

1. A caracterização do ato de improbidade administrativa exige, cumulativamente, a presença dos seguintes requisitos: (i) tipicidade formal (conduta ilícita expressamente descrita em lei); (ii) tipicidade material (conteúdo materialmente ilícito da conduta) e (iii) conduta dolosa com o fim especial de agir (obtenção de proveito ou benefício indevido para si ou para outrem), por força do art. 1º, § 1º e § 2º e art. 11, § 1º e § 2º da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021.

2. O ato de improbidade administrativa exige para sua configuração, em todas as modalidades, dolo específico, não sendo cabível a aplicação de sanção em caso de dolo eventual e de dolo genérico.

3. O particular, quando beneficiário de ato ou contrato com a Administração Pública, só pode ser enquadrado na Lei de Improbidade Administrativa se houver induzido ou concorrido dolosamente para a consumação da conduta.

4. Somente constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da Administração Pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade e se enquadre, concomitantemente, em um dos incisos do art. 11 da Lei nº 8.429/92.

5. O princípio da insignificância é aplicável aos atos de improbidade administrativa.

6. O enquadramento de agentes públicos ou políticos no artigo 10 da Lei nº 8.429/92, inclusive na hipótese do inciso VIII, exige comprovação de proveito indevido e lesão efetiva ao erário, nos termos do artigo 21, inciso I, não sendo possível tipificá-la por mera presunção de dano.

7. Nas ações de improbidade administrativa, aplica-se a regra da tipificação única, nos termos do § 10-D, do art. 17 da Lei nº 8.429/92, alterada pela Lei nº 14.230/21.

8. O julgamento de agente político pelo ato de improbidade administrativa, previsto na Lei nº 8.429/1992, não impede sua responsabilização por crime de responsabilidade e não configura bis in idem, com exceção da hipótese prevista no artigo 85, inciso V, da Constituição da República, em relação aos atos do Presidente da República, conforme decidido pelo STF no Tema 576.

9. A limitação da dupla punição pelo mesmo fato (ne bis in idem) aplica-se à improbidade administrativa, na forma da expressa disposição do art. 21, § 5º, e por estar dentre os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, na forma do art. 1º, § 4º, da Lei nº 8.429/1992, ambos com redação dada pela Lei nº 14.230/2021.

10. Aplica-se o princípio da individualização das condutas nos casos de improbidade administrativa, inclusive quando houver corréus.

11. A aplicação de penalidade a pessoa jurídica privada, na hipótese dos artigos 3º e 12, § 3º, da Lei de Improbidade Administrativa, deve levar em conta, dentre outros fatores, os potenciais impactos econômicos e sociais das punições sobre a comunidade em que ela atua, sobre o mercado de trabalho, sobre a arrecadação tributária e sobre as alternativas de contratações futuras para a Administração Pública.

12. A aplicação do artigo 17-C, III, da Lei nº 8.429/92 exige que o julgador, ao proferir a sentença, considere os obstáculos, as dificuldades reais enfrentadas pelo gestor público e as exigências de políticas públicas a seu cargo, ocorridas à época da prática do ato de improbidade administrativa.

13. É constitucional a norma do art. 12, § 1º, da Lei nº 8.429/92, que limita a pena de perda da função pública à hipótese de vínculo da mesma qualidade e natureza que o agente público ou político detinha com o poder público na época do cometimento da infração, ressalvada a possibilidade excepcional de extensão a outros vínculos, nos casos de enriquecimento ilícito previstos no artigo 9º, inciso I.

14. A absolvição, na esfera penal, por qualquer dos fundamentos previstos no art. 386 do CPP, impede a tramitação de ação de improbidade em que se discutam os mesmos fatos, salvo na hipótese de absolvição por atipicidade criminal da conduta, prevista no inciso III daquele dispositivo legal.

15. O estabelecimento de sanções e gradações distintas para os tipos previstos nos art. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº 14.230/21, não viola a Constituição da República.

16. Os prazos processuais na ação de improbidade administrativa serão computados em dias úteis na forma do art. 219 do Código de Processo Civil.

17. A ação de protesto interruptivo de prescrição é incabível na ação de improbidade administrativa, tendo em vista as hipóteses de interrupção taxativamente previstas no art. 23, § 4º, da Lei nº 8.429/92.

18. Nas ações de improbidade administrativa, a competência da Justiça Federal é definida em razão da presença das pessoas jurídicas de direito público previstas no art. 109, I, da Constituição da República na relação processual, e não em razão da origem dos recursos.

19. Nas ações de improbidade administrativa em curso, o marco inicial do prazo de prescrição previsto no artigo 23, § 5º, da Lei nº 8.429/92 é a data da entrada em vigor da Lei nº 14.230/21.

20. O direito do réu de ser interrogado deve ser exercido como último ato da instrução processual nas ações de improbidade administrativa.

21. A ação de improbidade administrativa não deve ser utilizada como sucedâneo da ação civil pública.

22. A presunção de inocência é garantia processual do direito administrativo sancionador e, portanto, incide na ação de improbidade administrativa.

23. A decretação de indisponibilidade de bens, em caráter cautelar, deve advir de indícios da existência de dolo específico acompanhados da demonstração do periculum in mora.

24. A indisponibilidade de bens prevista no art. 16 da Lei nº 8.429/1992 tem cabimento exclusivamente nas hipóteses de enriquecimento ilícito (art. 9º) ou de dano ao erário (art. 10), não se estendendo às hipóteses do art. 11.

25. Os pedidos de indisponibilidade de bens deferidos antes da entrada em vigor da Lei nº 14.230/21 podem ser reapreciados à luz dos requisitos previstos no artigo 16 da Lei nº 8.429/92, com fundamento nos arts. 14 e 296 do CPC.

26. A concessão de liminar, inaudita altera pars, para a decretação de indisponibilidade de bens nas ações de improbidade administrativa, dependerá da comprovação, baseada em elementos concretos e lastreada em indícios mínimos, de que a oitiva prévia do réu poderá frustrar a efetividade da medida, ou da existência de circunstâncias que recomendem a proteção liminar.

27. A atuação do agente público em estrita observância às orientações gerais do respectivo ente ou órgão (art. 24, parágrafo único, LINDB), ou em conformidade com manifestação prévia dotada de caráter vinculante (art. 30, parágrafo único, LINDB), afasta a configuração do dolo para fins de responsabilização por improbidade administrativa.

28. É constitucional a não configuração de improbidade administrativa nos casos de ação ou omissão decorrentes de divergência interpretativa, nos termos do art. 1º, §8º da LIA.

29. Instaurado procedimento para fins de celebração do acordo de não persecução cível, o Ministério Público e a pessoa jurídica lesada devem oportunizar efetiva participação e negociação aos interessados.

30. A celebração e a homologação de acordo de não persecução civil, prevista no art. 17-B da Lei nº 8.429/92, não pode, mesmo por regulamento, ser condicionada ao reconhecimento, por parte do investigado, da prática de atos de improbidade administrativa ou de sua culpabilidade.

31. Em relação ao acordo de não persecução cível, no caso da improbidade em concurso de agentes, a extensão do ressarcimento integral deve considerar o grau de participação na conduta ímproba, bem como a capacidade econômico-financeira, podendo o valor do dano ou da vantagem obtida ser substituído por outras formas de prestação que atendam a interesse público relevante, considerando, inclusive, o §6º, do art. 17-B, mediante compensação e aquiescência do ente público interessado.

32. A análise quanto ao oferecimento de ANPC compete ao Ministério Público ou à pessoa jurídica lesada, de modo que a sua celebração não constitui direito público subjetivo das pessoas físicas e jurídicas investigadas, acusadas ou condenadas, muito embora seja reconhecido aos acusados de suposta prática de ato de improbidade administrativa direito à apreciação da hipótese de solução negocial, cabendo aos legitimados motivar expressamente as razões de eventual negativa de proposição no caso concreto.

33. A expressão “ente federativo lesado”, indicada no artigo 17-B, §1º, I, da Lei nº 8.429/92, deve ser compreendida como indicativa da pessoa jurídica lesada pelo ato de improbidade.

34. A análise a ser empreendida pelo Poder Judiciário na homologação dos acordos de não persecução cível, prevista no art. 17-B, § 1º, III, da Lei de Improbidade Administrativa, deve se pautar pela deferência, concentrando-se na regularidade, na voluntariedade e na legalidade do acordo.

35. Nos termos do artigo 26, § 1º, IV, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, de aplicação subsidiária nas ações de improbidade administrativa, constitui requisito de validade do acordo de não persecução civil a fixação de prazo para seu cumprimento, findo o qual será feita análise para fins de deferimento do termo de quitação.

36. Com o advento da Lei nº 14.230/2021, nas ações de improbidade administrativa em curso, cabe ao juiz examinar os fatos para verificar o enquadramento típico da infração quanto à presença ou não do dolo específico (Tema 1199/STF), ficando vedado ao autor da ação alterar, após a citação, a narrativa dos fatos, a causa de pedir e os pedidos, na pretensão de imputar aos réus conduta diversa da narrada na inicial.

37. A tese fixada pelo STF no Tema 1199 sobre a irretroatividade da revogação da modalidade culposa do ato de improbidade para ações transitadas em julgado contraria o art. 9º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos por recusa de retroatividade da norma sancionatória mais benéfica ao acusado.

38. No Tema 1199, o STF reconheceu a incidência das normas da Lei nº 14.230/21 que sejam mais favoráveis ao réu, quando admitiu a constitucionalidade da exclusão da modalidade culposa e a fez aplicável aos processos em curso. Assim, qualquer alteração da lei nova, desde que mais favorável ao réu, deve ser aplicada imediatamente às ações em curso (lex mitior). Porém, quando as alterações forem mais gravosas (lex gravior), apenas incidirão para fatos posteriores à entrada em vigor da Lei nº 14.230/21.

39. A manifestação do Tribunal de Contas prevista no § 3º do art. 17-B da Lei nº 8.429/1992 tem natureza opinativa, motivo pelo qual não vincula as partes nem o magistrado.

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