O que é Whistleblower

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Whistleblower

Expressão inglesa que literalmente significa “assoprador de apito”, em alusão à postura antiga da polícia da Inglaterra que usava do apito para acusar em público uma prática delituosa e chamar a atenção da sociedade.

A palavra delator adquiriu, todavia, no Brasil um sentido pejorativo. Acusa-se Judas de traidor de Jesus por tê-lo entregue aos seus algozes, do ponto de vista cultural. Também em regimes autoritários, em que havia perseguição de pessoas que questionavam o sistema, havia delatores que denunciavam pessoas ao regime, entregando-as aos agentes do Estado que as torturavam, perseguiam e monitoravam.

Contudo, utiliza-se a expressão whistleblower para alguém que informa de irregularidades e transgressões ocorridas nas organizações. Trata-se de um informante, não de um traidor propriamente. Note-se que algumas profissões têm por dever o sigilo e a confidencialidade, a exemplo dos advogados e de auditores em alguns contextos.

Tanto a Enccla (Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro) como a Transparência Internacional estimulam a existência e regulação para estímulo do whistleblower (o que ocorreu mais recentemente com a Lei Anticrime).

Conforme expõem André Castro e Tiago Alvim,[1] na obra organizada por Rodrigo Pironti e Marco Aurélio de Paula, há, na prática, um sopesamento de males, que indica, sem dúvida, um dilema moral: romper com lealdades interpessoais nas corporações ou romper com a inércia e informar para que haja a apuração e cessão de irregularidades?

O sentimento individual faz com que a pessoa se depare com algo errado e informe, mas tal postura depende de um background ético, profissional etc. Existem, contudo, sociedades mais amigáveis ao whistleblowing, a exemplo dos americanos e dos anglo-saxões, por conta do individualismo e da discordância que caracteriza mais o protestantismo, e, por outro lado, sociedades que reprimem mais a prática, como as sociedades latinas e também asiáticas, onde há um espírito coletivo, estímulo à lealdade nas relações interpessoais e também uma ideia de preservar o equilíbrio da “boa vizinhança”.

Contudo, os mencionados autores também enfatizam que talvez ainda a incipiência da prática seja mais derivada de falta de ferramentas apropriadas, sendo que no momento de elaboração da reflexão, ainda não havia sido positivado o mecanismo, do que propriamente questões culturais. Importante, então, que não se jogue a culpa no colaborador que apresenta a situação. Também é relevante que haja políticas de “não retaliação” do informante, dado que a sua ação provoca correções e aprendizagem na organização.

Atualmente, o mecanismo vem previsto na Lei Anticrime (13.964/2019), da seguinte forma, no art. 15:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e suas autarquias e fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista manterão unidade de ouvidoria ou correição, para assegurar a qualquer pessoa o direito de relatar informações sobre crimes contra a administração pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público.

Considerado razoável o relato pela unidade de ouvidoria ou correição e procedido o encaminhamento para apuração, ao informante serão asseguradas proteção integral contra retaliações e isenção de responsabilização civil ou penal em relação ao relato, exceto se o informante tiver apresentado, de modo consciente, informações ou provas falsas.

O informante terá direito à preservação de sua identidade, a qual apenas será revelada em caso de relevante interesse público ou interesse concreto para a apuração dos fatos. A revelação da identidade somente será efetivada mediante comunicação prévia ao informante e com sua concordância formal.”

Será assegurada ao informante proteção contra ações ou omissões praticadas em retaliação ao exercício do direito de relatar, tais como demissão arbitrária, alteração injustificada de funções ou atribuições, imposição de sanções, de prejuízos remuneratórios ou materiais de qualquer espécie, retirada de benefícios, diretos ou indiretos, ou negativa de fornecimento de referências profissionais positivas.

A prática de ações ou omissões de retaliação ao informante configurará falta disciplinar grave e sujeitará o agente à demissão a bem do serviço público. O informante será ressarcido em dobro por eventuais danos materiais causados por ações ou omissões praticadas em retaliação, sem prejuízo de danos morais.

Um ponto bastante polêmico é a possibilidade de participação no valor recuperado, que gera uma sensação de estímulo: Quando as informações disponibilizadas resultarem em recuperação de produto de crime contra a administração pública, poderá ser fixada recompensa em favor do informante em até 5% do valor recuperado. Trata-se de medida que pode gerar uma indústria de ações de delação para obtenção de parte do produto recuperado pela informação.


[1] CARVALHO, André Castro; ALVIM, Tiago Cripa. Whistleblowing no ambiente corporativo: standards internacionais para sua aplicação no Brasil. PAULA, Marco Aurélio Borges de; CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de. Compliance, Gestão de Riscos e Combate à Corrupção. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 121.

Irene Nohara

Advogada parecerista. Livre-docente em Direito Administrativo (USP/2012), Doutora em Direito do Estado (USP/2006), Mestre em Direito do Estado (USP/2002) e graduação pela USP, com foco na área de direito público. Professora da pós-graduação stricto sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie (mestrado e doutorado). Autora de diversas obras jurídicas.

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